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    Mariliz Pereira Jorge

    Amores improváveis

    11/02/2016 14h40

    Paixão de praia não sobe serra, ouvi ao longo da vida. De praia, de Carnaval, de férias, de balada, de boteco. Tentam nos convencer a todo custo a não esperar nada do inusitado, do imprevisível.

    Amor não vem com serpentina. Tem que ser certinho, direitinho, limpinho, com hora marcada, com os sinos tocando, quando a gente está pronto. Se não é só paixão rasteira, passageira, qualquer nota, qualquer bobeira.

    É um beijo no meio do bloco, no meio do sorriso, no meio da música. É um encontro sem programação, sem pretensão, sem futuro. É um desencontro na multidão, nos desejos infinitos, nas vontades plurais. A gente quase nunca quer só um, se contenta com um. Quer paixão em bloco.

    Difícil aposentar a fantasia no meio da festa, em meio a possibilidades, tantas novas e passageiras paixões. A gente quase grita: "vem, é só por agora, só por um instante, é só pra ficar na lembrança, não me leve a mal, hoje é Carnaval".

    Pouca gente quer atravessar o samba na hora errada. Como se houvesse hora certa. A gente acha que pode acertar o passo mais lá na frente. Quem sabe depois de quarta renasçam das cinzas uma faisquinha da paixão momesca?!

    Mas aí tem o inusitado. Tem o imprevisível. Tem aquela fantasia bem no meio da folia que se encaixa em nossos desejos. A gente perde o compasso, perde os amigos, perde a convicção de que paixão de Carnaval não sobe ladeira. Porque ela sobe.

    Caminha por ruas apertadas, anda de metrô, perde-se num amasso suado, encostado num muro qualquer, de uma rua qualquer, forrada de confete barato. Ela descansa no meio-fio imundo da rua, brinda entre um gole de cerveja e um sorriso encantado. A gente canta e se beija no meio da música. A gente dança e se esfrega no meio da confusão.

    A gente sai de um bloco e vai para outro. A gente anda pelas ruas apertadas, pega o metrô, se espreme no táxi, sem soltar as mãos, sem afrouxar o sorriso, sem querer de volta a liberdade tão festejada de folião. Nem percebe, mas já está mais enrolado do que serpentina.

    Paixão de Carnaval sobe ladeira, troca telefone, manda mensagem, marca encontro, e depois outro. Sobrevive a outras paixões, à alegria fantasiada, à realidade embriagada, à ressaca em qualquer de suas formas. Vira amor.

    E melhor do que o Carnaval são os amores improváveis que nascem com ele. Quem nunca viveu um que ficou guardado na história ou virou o presente não faz ideia do que significa rasgar a fantasia. Nada mais é do que se abrir para a vida e ser sincero com os próprios sentimentos. Inclusive, e por que não, durante o Carnaval, nas férias, na balada, no boteco.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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