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    Mariliz Pereira Jorge

    Mulheres desunidas sempre serão vencidas

    18/02/2016 12h47

    Vai dar treta. Certamente vai dar treta. E não demorou a dar treta a campanha que nos últimos dias tomou as redes sociais, o tal Desafio da Maternidade.

    Trata-se de um viral que invadiu as páginas do Facebook, em que mães postavam, orgulhosas, fotos com seus filhos e desafiavam outras mães a fazer o mesmo. Desafiar não é a melhor palavra, mas vá lá.

    Vai dar treta.

    Minha mãe postou. Amigas queridas postaram. Conhecidas postaram. Até que alguém resolveu apimentar a brincadeira e postou uma foto-montagem com cenas nada agradáveis do ofício materno. Era uma piada sobre o "desafio", claro. Mas a treta começava a dar as caras.

    Então, uma garota publicou fotos menos mágicas da maternidade e um texto dizendo que "ama o filho, mas odeia ser mãe", e desfiou um rosário sobre a parte dura e dolorosa da experiência. Viralizou, revoltou meio mundo, a conta da fulana foi, pasmem, denunciada e bloqueada no Facebook.

    Não disse que ia dar treta?

    Na esteira desse post vieram muitos outros com fotos e depoimentos sobre a maternidade "real", que seria o verdadeiro "desafio". E agora é textão para todo lado defendendo a "brincadeira", que poderia ser apenas isso mesmo, uma brincadeira, mas infelizmente se transforma em bandeira de um lado ou de outro e, pior, coloca mulheres em posição de combate.

    Imbecil. Insensível. Vaca. Depressiva. Recalcada.

    No ano passado, uma página contra a descriminalização do aborto usou o mesmo tipo de campanha para atacar os movimentos pró legalização. Um artifício raso e mau caráter para defender um posicionamento. Olhem essas crianças lindas, como vocês tem coragem de defender o direito ao aborto, suas assassinas. Essa era a mensagem "bacana" por trás do viral.

    E é onde eu gostaria de chegar. Mulheres desunidas sempre serão vencidas. É uma competição sem fim sobre quem tem mais razão, quem é do bem, quem é do mal, quem sabe mais ou menos. A gente resolve dar pitaco sobre absolutamente tudo na vida da outra. A gente resolve problematizar tudo em nossas próprias vidas.

    Acompanhei numa página feminista uma discussão antes do Carnaval sobre quais fantasias eram aceitáveis e quais não. Sério. Fantasias que "objetificam" a mulher estavam em questão. Odalisca? Não pode. Enfermeira? Muito sexy. Usar uma burca resolveria a questão, imagino.

    É só uma fantasia. E tem mulher que fantasia ser desejada e "objetificada". Tem mulher que quer sair de peito de fora e é lindo e o problema é só dela. Mas tudo vira uma tese de doutorado. Enquanto a vida dos outros é apenas a vida dos outros.

    A alma feminina tem uma beleza ímpar. A gente é capaz de se emocionar, de se solidarizar, de se divertir com muito mais coisas do que a maioria dos homens. Ponto para nós. Embarcamos em correntes bobas, damos risadas, criamos laços instantâneos, mas temos a capacidade de destruir tudo com intolerância e arrogância - além de uma boa dose de competitividade, contra os quais lutamos o tempo todo para não sofrer.

    Brigamos tanto por igualdade de gênero, mas não percebemos a armadilha que é querer que todas as mulheres sejam iguais, ajam da mesma forma, se emocionem pelos mesmos motivos. A gente grita tanto "meu corpo, minhas regras", mas não consegue colocar em prática o "sua vida, suas regras", porque no fundo queremos mesmo é que as outras mulheres vivam de acordo com a nossa cartilha. E saímos todas perdendo com isso.

    Queira você ou não, vai ter foto de criança fofinha. Queira você ou não, vai ter foto de mãe descabelada. O botão de "Curtir" está aí, o de "Deixar de seguir" também. A gente não precisa ter opinião sobre tudo, nem se posicionar contra isso ou aquilo, muito menos sobre a vida de outra mulher. É uma tentação. Eu faço, você faz, dona Maria do bolo também. Mas podemos tentar agir diferente.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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