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    Mariliz Pereira Jorge

    Boi de piranha

    12/03/2016 02h00

    Só eu não fiquei surpresa com a notícia do doping da tenista russa Maria Sharapova?

    Toda vez que alguém é pego lembro de Lance Armstrong, que protagonizou o maior escândalo de doping da história. Passado o turbilhão, o ciclista disse que faria tudo novamente e que a maioria dos atletas de ponta estão afundados em substâncias proibidas.

    Todo mundo que se interessou pelo caso de Sharapova deve ter lido a alegação da tenista de que usava o medicamento por causa de uma deficiência de magnésio e histórico familiar de diabete.

    O que ela não contou é que o meldonium é vendido livremente na Rússia e nos países da Península Balcânica e consumido largamente por atletas desses países.

    Desenvolvido na década de 1970 para tratar problemas de coração, o medicamento melhora a resistência física do atleta, além de ter efeito positivo em sua recuperação. Ele não tem a aprovação do FDA (Food and Drug Administration), dos EUA, e nem das agências reguladoras europeias.

    Até Sharapova ser flagrada, 12 atletas foram testados positivos em dois meses que o meldonium entrou para a lista negra da Agência Mundial Antidoping (Wada). Depois dela, ao menos outros sete atletas russos foram pegos no antidoping.

    A explicação da tenista perde força à medida que mais informações sobre o meldonium começam a aparecer. No documentário "The Secrets of Doping: How Russia Makes its Winner", o jornalista alemão Hajo Seppelt revela que 17% dos atletas russos usam meldonium, segundo estudo feito em 2015.

    Não é possível que tantos atletas fiquem doentes e precisem da mesma medicação usada por ela. Outro ponto que chama atenção é que a tenista diz usar o medicamento há dez anos, quando ele deve ser consumido no máximo durante seis semanas, com intervalos de meses para ser usado novamente.

    A Wada passou um ano monitorando a substância e detectou o uso dela em atletas perfeitamente saudáveis, antes de incluí-la na lista negra. A decisão aconteceu em setembro e desde lá a agência diz que todos os atletas receberam alertas de que o meldonium seria banido a partir de primeiro de janeiro.

    Se a Wada chegou à conclusão de que essa substância interfere na performance esportiva, há de se concluir que não só Sharapova, mas todos os atletas com acesso ao meldonium podem ter se beneficiado e garantido resultados positivos com essa ajudinha extra durante anos.

    Podemos dizer que suas carreiras são uma farsa? Sem o meldonium Sharapova seria Sharapova? Impossível dizer.

    A tenista pode ser apenas o boi de piranha da vez. Enquanto é crucificada por fãs, mídia e patrocinadores, a sujeira continua rolando solta. Já disse aqui, se as entidades têm testes cada vez mais sofisticados para desvendar fraudes, há um submundo eficiente em desenvolver ou adaptar novas drogas para melhorar a performance, que podem nem mesmo figurar na lista da Wada, como foi o caso do meldonium, durante décadas.

    Apesar da gritaria, muita gente diz que é o doping que cria ídolos e garante que eles sigam batendo recordes, ganhando medalhas, atraindo público e garantindo patrocínios milionários. Jogamos Sharapovas para as piranhas enquanto o restante do rebanho atravessa o rio.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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