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    Mariliz Pereira Jorge

    Rio, não tem como te defender

    16/04/2016 02h00

    Juro que eu tento, quero entrar no espírito olímpico e viver esse momento histórico, mas no mesmo dia em que o Comitê Olímpico Internacional (COI) fez a décima e última visita de inspeção às instalações dos Jogos, ficamos sabendo que o governo do Estado do Rio vai atrasar em um mês os salários de 140 mil servidores públicos aposentados.

    Enquanto ganhamos parabéns porque, segundo o COI, as obras estão de acordo com as normas da entidade e porque os dirigentes estão satisfeitos com o retorno de atletas e comissões técnicas em relação às instalações, tem gente deixando de receber dinheiro para comprar comida e medicamento.

    Imagino o quanto o COI não tenha fechado os olhos para todas as reclamações, e foram muitas ao longo desse processo, para o fato de que nem sabemos se haverá metrô, ainda que o governador licenciado Luiz Fernando Pezão tenha garantido que sim, para o detalhe de que o velódromo e o Engenhão ainda não estejam prontos. Mas quem precisa de metrô quando não tem o que comer? Quem está preocupado se vai ter velódromo ou não?

    Atrasos nos pagamentos vêm ocorrendo desde o fim do ano. Já seria vergonhoso em qualquer momento, mais ainda agora quando o Rio está a pouco mais de cem dias de sediar um evento que consumiu R$ 39 bilhões de reais em investimentos público e privado.

    A atitude é tão covarde que o corte atingiu o bolso de quem não está mais na ativa, certamente para evitar greves e não comprometer o funcionamento da engrenagem estatal. Certamente porque fica mais difícil haver mobilização de uma classe fora do combate diário.

    É vergonhoso saber que saúde e educação no Estado anfitrião da Olimpíada estão em frangalhos, que não tem dinheiro para pagar salários, enquanto o governo do Rio concedeu isenções fiscais a empresas, entre 2008 e 2013, num montante que chega a R$ 138,6 bilhões, segundo o Tribunal de Contas do Estado.

    Um país que corta investimentos em educação e em projetos sociais, um governo de Estado que não consegue nem honrar sua folha de pagamento não podem querer brincar de fazer Olimpíada.

    Como é que a gente vibra com os Jogos? Como posso vir aqui e contar a parte bacana, porque tem a parte bacana, com esse tipo de coisa acontecendo? Como é que dá para defender a Olimpíada se seus anfitriões são maltratados? Por que os verdadeiros anfitriões dos Jogos não são os figurões que sentarão na tribuna de honra no dia 5 de agosto, mas os moradores do Rio. E não pagar salários de aposentados é um desrespeito a todos.

    Como tais pessoas se sentem quando sabem que o governo estadual investiu, ou deveria ter investido, cerca de R$ 10 bilhões em projetos para a cidade, sendo que alguns nem saíram do papel, como a despoluição da baía da Guanabara? Para onde foi esse dinheiro se a baía continua imunda?

    Nem a conta emocional fecha. A coluna deveria ser sobre o Centro de Treinamento de Voluntários, inaugurado pela Rio-2016 e pela Universidade Estácio. Lá encontrei gente entusiasmada, engajada, com brilho nos olhos. Saí contagiada pela atmosfera positiva entre pessoas que vão doar tempo, experiência, generosidade. Então, fui embora e li sobre os aposentados.

    Rio, assim fica difícil de te defender.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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