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    Mariliz Pereira Jorge

    Realidade paralela

    23/04/2016 02h00

    Esta semana, um dos diretores da Rio-2016 ligou para um dos membros do COI (Comitê Olímpico Internacional) para reportar um acidente no Riocentro. Um balão havia caído atrás do pavilhão 4, onde será disputado o badminton, e o lixo entulhado no local pegou fogo. Tudo foi controlado sem problemas.

    Antes que o membro do COI falasse alguma coisa, o diretor da Rio-2016 disse que ligaria ao papa para pedir proteção. No que recebeu a seguinte resposta: melhor você ligar para uma instância superior.

    Na quinta-feira, ficou claro que estamos abandonados à própria sorte. Três meses depois de sua inauguração, a ciclovia Tim Maia, um dos festejados legados da Olimpíada, teve cerca de 20 metros de sua estrutura arrancados por uma onda do mar.

    Duas pessoas morreram. Acredita-se que haja uma terceira desaparecida. A imagem dos corpos na areia e de pessoas ao fundo jogando altinha provocou indignação na internet. Senti o mesmo, para em seguida lembrar que corpos sem vida no chão fazem parte do cotidiano da cidade há décadas.

    A violência impermeabiliza as pessoas.

    Em maio do ano passado, quando um ciclista foi esfaqueado e morto na lagoa Rodrigo de Freitas, questionei se o Rio de Janeiro merecia sediar os Jogos. Afinal, se a cidade não consegue oferecer segurança para que seu moradores pratiquem esportes, como poderia receber o maior evento mundial do esporte.

    As questões envolvendo o Estado continuam sendo as maiores dúvidas em relação aos Jogos. Justamente as que tem a ver com infraestrutura e segurança, que a população não vê garantida em nenhuma de suas vertentes.

    E se já é complicado fazer um evento desse porte em condições normais, numa cidade estruturada como Tóquio, imagine o que significa ter que lidar com burocracia, corrupção e má gestão brazucas. Que o diga o Comitê Rio-2016, o braço privado por trás da realização dos Jogos.

    O ambiente dentro do comitê, que emprega cerca de 3.000 pessoas, é bastante diferente do que se vê em uma repartição pública. Em todas as minhas visitas vi pessoas trabalhando. E muito. Não havia aquele clima que reina em prefeituras, secretarias estaduais ou ministérios. Andei por entre as mesas em que todos dividem espaço, ideias e entusiasmo e não vi ninguém entediado, matando o tempo em redes sociais.

    Ouvi do mesmo diretor que o desânimo que atinge a população pela incompetência e negligência dos órgãos estatais contamina os membros do comitê. Funcionários de vários níveis hierárquicos ameaçaram jogar a toalha diante das dificuldades encontradas para lidar com problemas que não eram de suas alçadas, mas de setores do Estado.

    É fácil perceber que a Olimpíada é tocada como uma realidade paralela de um país mergulhado numa crise política e financeira, que tem sua autoestima testada todos os dias e por vezes atacada com uma faca ou arrancada do chão e jogada na praia sem vida por causa de uma obra mal feita.

    Ontem, estive no evento-teste da ginástica e, apesar da obra inacabada e da dificuldade de chegar ao local, percebe-se que a atmosfera reinante nada lembra nossa realidade tão doente. Teremos duas semanas de alta do coma. Resta saber se a emergência estará preparada para o que vier depois.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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