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    Mariliz Pereira Jorge

    Congelem seus óvulos

    28/04/2016 02h00

    Se eu pudesse dar apenas um conselho para uma mulher mais nova, seria este: congele seus óvulos. Faça isso enquanto eles estão jovens, abundantes e férteis. Enquanto suas chances de engravidar sejam do nível "pegando cueca no varal". Você respira perto de um homem pelado e depois dos nove meses, páh!

    Faça isso e vá viver sem ter que pensar sobre o que quer da vida daqui cinco ou 15 anos. Enquanto sua maior preocupação é perder dois quilos e não a maldita bomba-relógio dentro do útero que um belo dia vai parar de funcionar. Enquanto ninguém perguntar quando você terá filhos, se você terá filhos, por que não teve filhos. Esse dia vai chegar. E você poderá sorrir por dentro e dar uma esnobada na tia Marlene e em todas as pessoas que te olham, sem disfarçar a pena, com os olhos saltando das órbitas, gritando "coitada".

    Quando as minhas amigas começaram a casar e engravidar, passei a responder repetidamente se também queria casar, se também queria ter filhos. Depois que casei, passei a responder repetidamente por que não tive filhos. As pessoas, quero acreditar, não se dão conta de que esfregam no meu útero que meu tempo acabou, que já era, que a fonte secou. E, claro, que estou velha.

    Em segundos me pego ouvindo sobre tabelinha, testes de ovulação, acupuntura para aumentar a fertilidade, bênção xamânica, vela para Cosme e Damião, e quase me convenceram a comprar dois sapatinhos (um azul e um rosa) para fazer uma simpatia. No final, chegam a conclusão de que eu deveria tentar inseminação artificial mesmo.

    Nunca fui do tipo que planeja o fim de semana, quanto mais o próximo ano, e se tem alguma coisa que precisa ser minimamente planejada é a decisão de ter, quando ter e com quem botar uma criaturinha no mundo. E essas coisas acontecem aos poucos, e nem sempre quando a gente quer.

    A gente adia o momento de querer ter um filho, então, vem a vida e adia nossos planos também. Quem sabe quando tiver um aumento, quando comprar uma casa, quando conhecer alguém bacana. Depois de conhecer a Europa, morar na Austrália, for promovida, escrever um livro, conhecer alguém. Nem precisa ser legal, desde que não seja psicopata.

    A questão muitas vezes não é querer ter filhos, mas querer naquele momento. E em muitos momentos não quis.

    Não quis porque eu tinha outras urgências e elas me pareciam mais apropriadas e compatíveis com a minha juventude, imaturidade, com a cabeça de vento que eu tinha. Não tem como pensar em ter filhos quando você só vai embora quando o garçom coloca as cadeiras em cima da mesa. Mãe, você estava errada, essa sempre foi a melhor hora da festa e eu fico feliz de ter passado até agora mais noites em claro dançando até o chão do que fazendo papinha de criança.

    Não, não da para cogitar ter filhos naquela fase da vida (quem nunca?) em que os relacionamentos duram menos do que plano de dados do celular. Quando você olha para aquele cara pelado ao seu lado e pensa "não é amor, é só uma frente fria".

    Não tem como pensar nisso quando o máximo que você consegue ambicionar na vida é conseguir pagar o aluguel num apartamento que não seja uma república fedorenta, guardar dinheiro para tirar férias em algum lugar bem esquisito, comprar roupinhas parceladas em três vezes na C&A.

    Não tem como planejar um filho quando todas as suas economias já têm destino certo, que pode ser um carro, um curso de especialização, uma viagem de férias ou um vestido que custa duas vezes seu salário. Conheço gente que coleciona apartamentos, eu tenho uma coleção de passaportes, carimbos de viagem, vacinas de febre amarela, amores de verão.

    Não quis ter filhos sem ter certeza de que queria esse ou aquele homem como companheiro de vida, de que ele seria um paizão amoroso, um cara decente. Mulheres que decidem ser mães sozinhas terão minha eterna admiração, eu não conseguiria cuidar de uma samambaia sem ter um parceiro para segurar minha mão.

    Para segurar minha mão, pra fazer planos juntos, passar noites em claro, trocando fraldas e cuidando das cólicas e do choro. Quem sabe dá tempo, quem sabe eu tenha sorte, quem sabe eu devesse fazer a simpatia, quem sabe acupuntura ajudasse. Quem sabe seria mais fácil se eu tivesse congelado um óvulo. A vida não é para amadores.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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