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    Mariliz Pereira Jorge

    Abaixo a ciclovia do Rio

    30/04/2016 02h00

    Esta ciclovia precisa ser demolida. Ela está condenada de uma forma ou de outra. Ou pela forma como foi projetada, pela estrutura mambembe e porca, ou porque terá um fantasma melancólico rondando seus caminhos mesmo em dias de sol e paisagem deslumbrante. Levará décadas para que alguém passe por ela sem lembrar da tragédia que matou duas pessoas no dia 21 de abril.

    Minhas críticas não são de hoje. Em 23 de janeiro, dias depois da festejada inauguração da ciclovia Tim Maia, fiz uma série delas, deixando claro que o projeto tinha todas as características de ter sido mal concebido e feito a toque de caixa.

    Seguem dois trechos: "O que chama atenção logo de cara é que, apesar de ter custado R$ 44,7 milhões, o acabamento é de quinta categoria" e "Como se gasta tanto dinheiro em uma obra e o resultado é uma pista irregular, cheia de desníveis? O piso é vagabundo. A pintura, malfeita."

    Falo das questões de segurança, dos possíveis assaltos. Bingo. Dois dias depois, turistas foram as primeiras vítimas. O que já se repetiu algumas vezes. É um espanto que não tenham se dado conta de que construíram uma ratoeira. De um lado, o precipício está voltado para o mar, do outro, para as rochas. Não têm para onde fugir.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Trecho da nova ciclovia Tim Maia, inaugurada recentemente, na Avenida Niemeyer em São Conrado na zona sul do Rio de Janeiro, desabou após ser atingida pela ressaca do mar, nesta quinta-feira (21). Duas pessoas morreram.
    Trecho da ciclovia Tim Maia, no Rio, que desabou após ser atingida pela ressaca do mar, na quinta (21)

    Tristemente, as tragédias podem ter o efeito positivo de despertar a população, que sempre reagiu meio anestesiada diante da violência, da poluição, do crescimento desordenado, do caos que tomou conta do Rio. Piada constante é que o trânsito –sim, agora admitem que tem trânsito– não é tão ruim porque a vista compensa.

    A queda da ciclovia mostrou que não há vista que compense o amadorismo com o qual a cidade tem sido governada nas últimas décadas. Não há vista que compense ter uma ciclovia equilibrada em pernas de pau.

    Vista que foi perdida pelo carros que passam ali e que, sim, deveria ter sido preservada porque a avenida Niemeyer é um patrimônio da cidade e isso não poderia ter sido ignorado quando pensaram naquela aberração arquitetônica. Pensaram?

    Laudos oficiais apontam falhas na concepção e na execução e improbidade na contratação da Concremat-Concrejato. Mas as informações mais cabeludas são as não-oficiais. Um vídeo feito por Walmar Luiz, um morador do Vidigal, mostra, como ele mesmo diz, uma tragédia anunciada.

    Com imagens embaixo da ciclovia, o que se vê é uma obra inacabada, feita nas coxas. Vigas desalinhadas, passarelas que não seguem a curvatura da estrada, caixas de contenção sem concretagem, ferragens expostas, sacos de areia para conter o terreno, pano de estopa na base de colunas.

    Há dezenas de fotos na internet que mostram rachaduras nas colunas, parafusos faltando. Parafusos, meu Deus. Sem falar que as passarelas foram encaixadas nas colunas, contando que seu peso as mantenham no lugar. Nem se o Cristo Redentor em pessoa disser que aquilo é seguro daria para acreditar.

    Uma petição na internet colhe assinaturas para que ela seja derrubada. Não que petições on-line resolvam algo, mas são sinal de insatisfação, assim como as dezenas de manifestações que tenho visto.

    Se o prefeito Eduardo Paes (PMDB) tiver algum juízo, coloca aquele monstrengo no chão e volta literalmente à estaca zero. Esse jogo já foi perdido.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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