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    Mariliz Pereira Jorge

    O passageiro de táxi e a vingança contra o Uber

    05/05/2016 02h00

    – Nunca dou cinco estrelas na avaliação do motorista.

    – Mesmo quando você fica satisfeita?

    – É para o motorista não começar a ficar folgado, como os taxistas.

    – Se não tiver bala e água perde estrelinha.

    – Mesmo se todo o restante for impecável?

    – O cara tem que oferecer o básico.

    Os comentários acima foram feitos em posts no Facebook quando o assunto era a qualidade do serviço prestado pelo Uber. Tem gente que deixa os critérios objetivos de avaliação para dar uma de espertão, esquece que mais ou menos estrelinhas têm um efeito bastante prático.

    Motoristas mal avaliados são desligados do serviço, se a sua nota cai para menos de 4.6. É tchau e benção. Ele nem fica sabendo exatamente por quê. Se o passageiro não gostou do carro, se ficou descontente com o trajeto, com o atendimento ou se o problema era não ter água ou bala.

    O passageiro, tão acostumado em ser conduzido em táxis velhos, xexelentos, por motoristas mal educados, que recusam corrida, nunca têm troco, falam ao celular, assistem TV ou ouvem rádio religiosa, parece não ter entendido que a avaliação no Uber é uma ferramenta valiosa para manter o serviço bom e o profissional motivado.

    Imagine que você é um empregado exemplar, cumpre metas, é criativo, responsável. Na hora da avaliação anual, seu chefe crava um "bom" e isso trava pedidos de aumento e promoções. Entendeu ou quer que desenhe?

    Não basta oferecer um serviço correto, ser cordial, ter um carro limpo, ligar o ar condicionado, perguntar qual é a rádio de preferência, fazer um trajeto eficiente sem ir até onde o vento faz a curva, passageiros agem sem maturidade e sem entender o espírito da coisa. Inconscientemente, quero acreditar, se vingam dos maus tratos do passado, dos carros cheirando a cigarro, dos motoristas arrogantes, dando o troco em pessoas erradas.

    "Um passageiro disse que tudo havia corrido bem, mas me daria duas estrelinhas. Perguntei o que eu poderia fazer para ser mais bem avaliada numa próxima corrida. Ele não soube dizer", me contou Edna Gomes, 52, ex-administradora de condomínio, motorista do Uber há pouco tempo.

    Água, bala, revistas, Wifi, são mimos. Não são o "básico", como comentou uma internauta. Esse tipo de cortesia é o que o nome sugere: cortesia. Não consta no manual do motorista e nem é exigência da empresa, como atestado de antecedentes criminais. É o motorista fazendo além do esperado pelo serviço. Encontrar água com gás gelada, bala 7 Belo e internet são surpresas que só deixam a viagem mais agradável, mas a ausência disso tudo não pode ser parâmetro para punir o profissional.

    O que deveria ir para a balança e valer mais ou menos estrelinhas são a qualidade do carro e do serviço prestado, a cordialidade da pessoa ao volante, se ela respeita as leis de trânsito e o passageiro. O resto é lucro.

    O serviço do Uber não é perfeito. Sou usuária do tipo pesado. Nas raríssimas vezes em que pego táxi quase saio do carro e esqueço de pagar. A comodidade de ter a corrida cobrada automaticamente no cartão de crédito é um conforto sem igual num mercado em que taxistas praticamente não oferecem a opção de pagar com crédito ou débito ou nunca têm troco.

    O que tem aborrecido ultimamente são os motoristas perdidos. Muita gente encontrou no Uber uma alternativa ao desemprego. Muita gente que não conhece minimamente os lugares por onde trafega. Os motoristas se agarram ao Waze e Google Maps, não prestam atenção aos endereços. Repetidamente eles dão voltas até conseguir achar o endereço onde estou ou param uma quadra depois. Mas isso é detalhe diante de todas as outras vantagens.

    O método da empresa de avaliação vale também para os usuários. Cada um de nós quando sai do carro recebe de uma a cinco estrelinhas, assim como os motoristas. Justo. Fui checar a minha classificação e, choque, estou com 4.7, o que me fez pensar em meu próprio comportamento. Não lixo as unhas, não solto pum, não falo alto no celular, não como Cebolitos, não me amasso com o marido no banco de trás. Talvez um pouco. Mas acredito que tenha a ver com o mau humor com que entro no carro quando o motorista demora a encontrar o lugar onde estou. Talvez seja mau humor demais.

    Não quero engrossar a lista de usuários banidos pelo serviço. Gente que foi para lista negra por tratar o motorista de forma agressiva, colocar a direção do carro em perigo, não respeitar propriedade alheia. Da próxima vez quem vai levar balinha para o motorista sou eu.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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