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    Mariliz Pereira Jorge

    Política é o nosso esporte favorito

    07/05/2016 02h00

    Tirando uns dois amigos que trabalham na organização dos Jogos, mais meia dúzia que vive no meio esportivo e minha irmã que foi até a Esplanada dos Ministérios e diz ter se emocionado, a repercussão da chegada da tocha olímpica em Brasília foi um retumbante fiasco.

    O que é uma pena, mas compreensível, levando em conta que os assuntos da semana foram a discussão na comissão do Senado sobre o impeachment da presidente Dilma Roussef, mais o afastamento do presidente da Câmara Eduardo Cunha. Que momento oportuno. Não há dúvida de que o esporte preferido dos brasileiros hoje é a política.

    Em segundo, mas a léguas de distância vem o futebol, que também acabou eclipsado pelas notícias de Brasília. O Corinthians acaba de ser desclassificado da Libertadores e eu não li nenhum "chupa" na minha timeline, não teve "chora, gambá" gritado pela janela. Saudade da zoeira saudável. Da época em que não havia campeonato entre Petralhas e Coxinhas para atrapalhar.

    Percebe como é fácil enveredar por outros temas? O assunto era a chegada da tocha olímpica. A expectativa de que trouxesse junto com ela o ânimo que falta ao brasileiro para entrar no clima dos Jogos não se concretizou.

    Rahel Patrasso/Xinhua
    Presidente Dilma Rousseff acende tocha olímpica no Palácio do Planalto, em Brasília
    Presidente Dilma Rousseff acende tocha olímpica no Palácio do Planalto, em Brasília

    Pelo contrário, apenas comprova os dados colhidos pela Hello Research, agência de pesquisa e inteligência de mercado, sobre o evento. O brasileiro perdeu o pouco ânimo que tinha. Se a 500 dias dos Jogos, 34% das pessoas entrevistadas diziam ter interesse pela Olimpíada, a segunda pesquisa, feita recentemente, mostrou que esse número caiu para 24%.

    Dilma disse na cerimônia da tocha que o momento extremamente crítico de nossa democracia não atrapalhará os Jogos. Difícil atrapalhar mais, já atrapalhou tudo o que poderia.

    Uma nova batelada de dados deve ser divulgada pela agência de pesquisa, em julho, mas nem o mais Pollyanna dos otimistas deve acreditar que o panorama será diferente. Ao menos há mais gente que sabe que a Olimpíada será realizada no Rio. São 75% contra 52% da pesquisa anterior. O que é alarmante, se pensarmos que o assunto é pauta dos últimos seis anos.

    Como tudo que é ruim sempre pode ficar pior, só dois entre dez brasileiros soube dizer o nome de um atleta olímpico. O mais lembrado, com 9% das menções, foi Cesar Cielo, que nem fará parte da delegação.

    O motivo para tanto desânimo tem um nome, descrença. As pessoas não acreditam que um evento desse trará benefícios para o país, reflexo do legado da Copa do Mundo –ou da falta dele.

    Estádios nababescos às moscas, aeroportos que nunca ficaram prontos. Alguém lembra da promessa do trem bala? Gastou-se uma exorbitância, fizemos a melhor Copa de todos os tempos, mas o país continua num eterno 7 a 1.

    Para 75% dos entrevistados, a única certeza é que haverá desvio de verba pública. Em tempos que a palavra propina é mais repetida na TV do que Olimpíada, quem tem coragem de discordar?

    De todas as ações feitas até agora, o revezamento da tocha, que passará por mais de 300 cidades, é o que pode aproximar mais a população dos Jogos e talvez uma parcela dessas pessoas seja mordida pelo mosquito do espírito olímpico, aquele que não tem nada a ver com o Aedes aegypt.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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