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    Mariliz Pereira Jorge

    Cidade de Deus

    21/05/2016 02h00

    Faz um ano que o médico Jaime Gold morreu, depois de ser esfaqueado numa tentativa de assalto, na lagoa Rodrigo de Freitas.

    Ele era ciclista e se exercitava, como de hábito. O que se esperava desde então era que o controle da criminalidade do Rio fosse de fato levado a sério. Senão pelo bem-estar dos moradores, para que a gente possa dar pinta de lugar civilizado durante a Olimpíada.

    Como tudo o que é ruim pode piorar, pelo quarto mês consecutivo o número de homicídios no Estado subiu. Os dados oficiais não foram divulgados, mas uma prévia mostra 453 assassinatos, em abril. É um aumento de 33,6% em relação ao ano passado, quando foram registradas 339 mortes.

    O pessoal da zona sul pode respirar aliviado porque os números ficaram mais ou menos na mesma. Ou seja, você pode até ser morto, se sair para andar de bicicleta, mas não vai fazer diferença nas estatísticas, porque está dentro da cota das mortes do ano. Já quem mora na Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói vai piorar ainda mais os dados oficiais.

    Você deve se perguntar: mas que raio de gente incompetente que não consegue colocar ordem no caos nem no ano em que o Rio é a estrela de uma festa mundial? Como se não bastasse não pagar a aposentadoria dos velhinhos, policiais militares, civis e bombeiros não têm recebido gratificação do RAS (Regime Adicional de Serviço).

    Adivinhem o que aconteceu? Com adicional atrasado, menos policiais nas ruas. Houve também diminuição da ronda policial "devido à falta de recursos para gasolina".

    Vocês leram bem. O Estado não tem dinheiro para pagar nem aposentados e nem gasolina para patrulhar a cidade.

    Na quinta (18), o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, disse que estão atualizando o RAS para ver se "conseguimos reverter esse aspecto desmotivacional dos policiais, porque isso pode ter influenciado esse aumento (da criminalidade)". Gênio.

    Mas vamos à cereja do bolo. Na segunda (16), o jornal "Extra" publicou levantamento feito com base em registros de ocorrência, investigações da Polícia Civil e relatos de PMs. A constatação é que o Rio tem 15 guerras de quadrilhas em 21 bairros. Nos últimos dois meses, pelo menos 21 pessoas foram mortas.

    Será que o COI (Comitê Olímpico Internacional) lê essas notícias? Deveria. Doze dessas guerras acontecem a menos de oito quilômetros de instalações olímpicas, como as do Complexo de Deodoro. Houve confrontos perto da Vila dos Atletas, na Barra, e no Chapéu Mangueira, que fica a 800 metros de onde será disputado o vôlei de praia.

    Nem vou me dar ao trabalho de relatar o que disseram Secretaria de Segurança, Polícia Militar e Coordenadoria de Polícia Pacificadora. Aquele blábláblá de que estão definindo, planejando, que o reforço da segurança será maior e que durante a Olimpíada tudo estará sob controle. Espero que tenham combinado a trégua com os russos.

    Já é suficientemente vergonhoso não ter dinheiro para pagar gasolina de viaturas.

    Como é que explicamos para os gringos o número escandaloso de mortes e a guerra civil que assola as comunidades?

    Um gringo me deu a melhor resposta, com uma pergunta: é tipo Cidade de Deus?

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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