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    Mariliz Pereira Jorge

    O que você pode aprender com Claire Underwood?

    26/05/2016 02h00

    O título poderia ser também: como pedir aumento e ganhar o que você merece. Na semana passada, Robin Wright, atriz que interpreta Claire Underwood, em House of Cards, contou num programa de TV que disse aos seus empregadores que queria receber o mesmo valor por episódio do que Kevin Spacey, também protagonista da série.

    E levou. Porque tinha argumentos suficientes para que a resposta fosse sim. Isso me fez lembrar de quantas vezes eu quis fazer a mesma coisa e simplesmente enfiei a violinha no saco e fui para casa, chorar no cantinho escuro, enquanto maldizia meus empregadores e morria de pena de mim mesma.

    O que Robin fez diferente da maioria das mulheres? Disse o que queria, por que queria e, mais importante, por que merecia. Foi além do discurso de que mulheres e homens devem ganhar a mesma coisa pelo mesmo tipo de trabalho. Ainda que isso seja o certo.

    Pare e pense: quantas vezes você fez a mesma coisa? Enquanto você recorre à memória, vamos falar sobre a parte chata de tudo isso, que é bem menos óbvia do que parece. Sim, a maioria das mulheres ainda ganha menos do que os homens nas mesmas funções. Mas aquele número que grudou como chiclete em sola de tênis não é exatamente aquilo. Melhoramos um pouquinho.

    Um dado mais atual mostra que em muitas profissões, mas não todas, as mulheres ganham em média 24% menos do que os homens, segundo dados do Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015, publicado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Ainda é uma diferença enorme.

    Outro estudo, de 2016, mostra que na América Latina o mesmo percentual caiu para 16%, segundo dados do Observatório de Igualdade de Gênero da Comissão Econômica, da região. E que essa diferença diminuiu 12,1% entre 1990 e 2014.

    Mas vamos falar sobre o que mais interessa, como resolver isso. O site de recolocação profissional Glassdoor, que atua em vários países e tem um banco de dados vasto, inclusive com pesquisas salariais, divulgou recentemente alguns fatores interessantes do por que isso ainda acontece.

    É uma pergunta difícil de responder, se formos além da questão cultural e patriarcal. Vamos encarar o problema de frente, não é toda mulher que ganha menos porque tem um chefe escrotinho que resolveu pagar menos apenas porque seu empregado é do sexo feminino.

    O preconceito no local de trabalho nós já sabemos que existe. Em algumas profissões os homens são mais valorizados, enquanto que em outras as mulheres são mais requisitadas e ganham mais - sim, isso acontece. Mas um dado trazido pela Glassdoor joga luz num ponto que eu, você e Robin Wright provavelmente temos em comum. As mulheres muitas vezes, e bota muitas vezes aí, não sabem negociar seus salários e aumentos. O que os homens fazem muito melhor. Você sabe? Eu não sabia. Nem Robin Wright.

    Bingo.

    A senhora Underwood demorou 50 anos para conseguir o que queria. O mundo está cheio de histórias assim. Uma amiga foi transferida de cidade, com promessa de aumento, que só veio seis anos depois - e ela quase pediu desculpas por cobrar o combinado. Enquanto isso, via um amigo ter aumento todos os anos. A diferença é que ele, anualmente, contabilizava ganhos, acertos, metas cumpridas e levava tudo para a salinha da chefia e cobrava a "conta".

    Até uns cinco anos atrás engoli uma coleção de sapos e hoje vejo que aceitei porque tive zero habilidade para lidar com contratos e aumentos. Em um único emprego aceitei passar quase 10 meses numa função mais importante, sem o cargo. Quando finalmente fui promovida no papel não ganhei nem um centavo de aumento. Um baita negócio para os meus chefes, que acharam que eu ficaria felicíssima apenas por ter o novo cargo no crachá. O que eu deveria ter feito? Ter recusado. O que eu fiz? Me sentia infeliz, injustiçada, além de ter mais trabalho e mais responsabilidade.

    Trabalhar é um negócio como outro qualquer, o que temos para vender é nosso conhecimento, competência e diferenciais. São essas as armas que usamos para negociar. Ou não.

    Entrar no mercado de trabalho é complicado. Aceitamos qualquer coisa (que a gente acha que é melhor do que nada) para ganhar experiência. O que não está exatamente errado. O problema é que a vida profissional vira uma sucessão de "sim" e não aprendemos a dizer "não".

    Nunca entrei na sala de nenhum chefe para pedir aumento. Tinha medo de ser demitida, não tinha autoestima, acreditava que o mundo seria justo e que minha vez havia de chegar. Pensava que quando fosse boa o suficiente, aquele deus, sentado atrás da mesa, reconheceria meu talento e, viva!, promoção, aumento, bônus, chuva de confete.

    O mundo corporativo não funciona assim. É preciso de um tanto de ousadia e agressividade para crescer. O que os homens aprendem desde criança, na marra. Tem que ser macho, tem que fazer, tem que acontecer. Muitas mulheres ainda são criadas para serem passivas. Não ligue, não procure, não se ofereça, não cobre. Que surpresa descobrir que isso se refletiria no trabalho também? Mas isso vem mudando também.

    Chefes são programados para dizer não. Enquanto você entregar no prazo, se matar, virar a noite, der a patinha e não derrubar o potinho de água, ele acha que está tudo bem. Vida que segue. Até que um dia, você resolve ir embora, bem puta, e ele nem sabe exatamente por que. Por um simples motivo: você não falou, não pediu, não negociou, não cobrou. E tanto faz se seu chefe é homem ou mulher. Justiça seja feita, as duas pessoas que mais me prejudicaram profissionalmente foram mulheres.

    De lá para cá, venho aprendendo a negociar e sempre lembro de algo que meu pai fala desde sempre e que serve para tudo: o que é negociado não é caro. Nem para a empresa e nem para mim. Quando a gente começa a ceder muito a corda sempre vai arrebentar do lado mais fraco, porque o empregador nunca cede mais do que pode.

    Mas não adianta só querer ganhar mais. Não é argumento suficiente dizer que o seu salário tem que ser igual ao do seu colega, seja homem ou mulher. Você precisa de poder de barganha, que é o seu capital profissional. Robin Wright, quando pediu sua equiparação salarial, disse que as estatísticas mostravam que sua personagem era mais popular do que o do seu colega Kevin Spacey. Foi ousada, agressiva e eficiente. Se um chefe diz não nessas condições é hora de pedir a conta.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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