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    Mariliz Pereira Jorge

    Como os gringos nos veem

    16/07/2016 02h00

    A rede britânica de notícias BBC divulgou um vídeo para brindar a Olimpíada, e a reação dos espectadores ficou dividida entre uma enorme chiadeira e aplausos entusiasmados. O filme "The Greatest Show on Earth" mostra animais praticando esporte no meio da selva, para depois assumirem a forma humana a caminho do Rio.

    Imagine a histeria. "Jacaré na mata atlântica? Nas montanhas? Tá errado." "O Rio de Janeiro não é a Amazônia." "Os gringos devem achar que vivemos na selva." "Colocaram até uma pantera negra. É Rio ou África??"

    A turma que se emocionou entendeu de forma diferente. Para essas pessoas a BBC valorizou a "exuberância" de nossa flora e fauna. Que representou "a força dos atletas por meio dos animais", "que são animais-atletas chegando de todos os lugares" numa grande metrópole.

    Eu fico com a segunda turma. O vídeo é poderoso e emocionante, além de ser lindo ver os jacarés no salto ornamental, os corredores representados por felinos, o tamanduá no lançamento de peso.

    Padecemos tanto do complexo de vira-latas que hoje vivemos uma negação do que somos. Queremos dissociar nossa imagem dos maiores ícones que nos representam. Não queremos mais ser vistos como o país do samba, das bundas, do futebol, da floresta, mas somos também tudo isso. Precisamos nos acostumar com a visão que os gringos têm e nos esforçar para que a melhor parte seja exaltada. O filme da BBC foi um exemplo de que isso é possível.

    Austrália usou e abusou das imagens do deserto, das tribos, danças e arte aborígenes, na Olimpíada, em 2000, ainda que apenas 20 de seus 600 atletas, na época, fossem dessa origem.

    O australiano não parece ter vergonha de ver seu país promovido por algo que lhes representa em parte. Sydney, que sediou os Jogos, fica a 2.800 quilômetros de Ayers Rock, região de muitas tribos aborígenes, onde a maioria dos australianos jamais passou nem perto. Morei na Austrália e nunca vi ninguém preocupado que o mundo pense que são todos índios e moram no deserto.

    Quando uma cidade sedia uma Olimpíada, ela representa um país todo e não apenas seu quintal. A Amazônia não fica no Rio, mas ocupa quase metade do território brasileiro. Há uma lista de coisas das quais não deveríamos nos orgulhar, mas certamente a Amazônia não é uma delas.

    Outro vídeo lançado nos últimos dias tem dado o que falar. A loja norueguesa de material esportivo XXL Sports&Villmark encomendou um filme sobre como o esporte une as pessoas. Com o título de "Sports United All", a ação mostra um menino de favela perseguido por policiais que o viram com uma carteira na mão, derrubada por um motoqueiro.

    O motoqueiro, revelado no final, é Ronaldinho Gaúcho, e todos terminam felizes jogando futebol na praia. Em nota, a marca diz que "à sombra das celebrações olímpicas, você vai encontrar crianças vivendo em favelas, onde a imagem dos Jogos Olímpicos é obliterada pela pobreza".

    A intenção foi boa, mas o resultado ficou duvidoso e parece apenas puxão de orelha nos anfitriões. Não que não mereçam. Está na hora de não ignorarmos nossas mazelas, mas também nossa personalidade, que inclui, além de outras coisas, ser o país do samba, do Carnaval, do futebol e da floresta, mesmo que individualmente não tenhamos intimidade com eles.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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