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    Mariliz Pereira Jorge

    Quem se diz realizado aos 30 anos é mentiroso ou covarde

    08/09/2016 08h00

    Philippe Wojazer-14.jul.2015/Reuters
    Vista aérea da Torre Eifel em Paris
    Vista aérea da Torre Eifel em Paris

    Faço 45 anos em dezembro e ainda não tenho ideia do que quero ser quando crescer. Talvez esse dia nunca chegue, está bem bom assim. Gosto de flertar com sucessos e fracassos, novos começos, finais de ciclos. Eu era assim aos 20, aos 30. Enquanto a maioria das pessoas da minha idade ganhava medalhinhas e bônus por anos de serviço, eu pedia demissão. Enquanto compravam carros e apartamentos, eu parcelava passagens de avião em 12 vezes.

    Há 20 anos, ter estabilidade na vida era ainda o que a maioria queria. Parece que as coisas não mudaram muito. Nunca vi tanta gente jovem angustiada querendo resolver a vida financeira, amorosa e profissional quando ainda é muito jovem. Daí tem textão toda hora de gente que larga tudo, vende o carro, vai fazer curso de gastronomia em Paris, vive com menos conforto, com menos dinheiro, sem crachá ou bônus.

    Fico me perguntando para que raios gente da minha geração e da anterior deixou os pais bem loucos por fazer tudo diferente do programado, se agora uma quantidade enorme parece mais careta, mais medrosa e mais acomodada. Em contraste com tantos outros que parecem ter resposta para tudo. E dá-lhe textão. Você lê e descobre que a pessoa do textão tem vinte e tantos anos, mas já sabe como se relacionar, como se dar bem na vida, como largar tudo, como ser diferentão. Leio tudo e me dou conta de que por esses padrões eu era um fracasso aos vinte e tantos e continuo sendo agora.

    Carro, conforto, dinheiro, crachá, Paris, quando se é muito jovem. Imagino que deva ser um peso. Quanto tédio, coitados. Nessa fase da vida, eu ficava feliz de poder pagar em dia minha fatura da C&A.

    Planejei muitas coisas que não deram certo, amei muitas pessoas erradas, encontrei tantas outras maravilhosas que se perderam por causa de timing, pedi demissão pelo menos umas cinco vezes na vida, acabei demitida do meu primeiro emprego. Já fui muito dura, já fiz extravagâncias. Nunca consegui guardar dinheiro, não tenho mais carro (poxa, agora me senti muito trendsetter), nem casa própria. São escolhas. Morei na Austrália e no Canadá, e viajei mais do que a maioria das pessoas que conheço. Conheço o Alasca, Japão, Tailândia, mas sou sempre muito feliz no sul da Bahia. Meu canto favorito é dentro de um avião, porque sei que estou indo ou voltando de algum lugar.

    A vida precisa de movimento.

    Já fui garçonete, atendente de locadora de vídeo, vendedora de loja, fiz trabalho voluntário, repórter, editora, colunista, roteirista. Tenho contrato assinado com uma editora para escrever um livro, que não sai nunca porque eu tenho medo. Medo de dizer o que todo mundo já sabe. Hoje, parece que todo mundo cresce pronto. Invejo, mas brinco que, se uma pessoa é realizada aos 30, é mentirosa ou covarde.

    Eu não tinha nenhuma resposta aos 30. Eu só tinha perguntas, muitas perguntas sobre a vida, sobre o mundo e principalmente sobre mim. Não fazia ideia de quem eu era, porque aos 30 a vida nos dá um cardápio enorme do que podemos ser. Ainda tenho muitas dúvidas. Então eu pedia demissão, terminava namoros, mudava de casas, cortava o cabelo, começava um esporte novo, experimentava um drink diferente, viajava, fazia amigos de todos os tipos. Só descobri um pouquinho de mim conhecendo e vivendo um pouco de tudo.

    As mulheres que foram exemplo para mim (avós, mãe, tias) sempre trabalharam fora, algumas se separaram ou nem se casaram. Todas as minhas amigas só engataram o "felizes para sempre" depois dos 35 anos, algumas depois dos 40, outras simplesmente não querem casar. Essa desculpa de que a carreira acaba sendo priorizada em detrimento da vida pessoal é só desculpa. E já era desculpa há 15 anos. A gente faz duzentas coisas ao mesmo tempo. Só não namora, beija e transa muito quando é jovem quem não quer. E ainda trabalha, faz academia e passeata.

    Essas mudanças de comportamento começaram a se consolidar na minha geração. Então, me deparo toda hora com textão dizendo que hoje a mulher não precisa casar, ter filhos, raspar o sovaco, como se fosse o último grito de liberdade. Gente, em 1960 já tinha mulher peluda. Pode fazer tudo, pode ser o que quiser. Vai lá, faz e ajuda quem ainda não tem coragem. Talvez o que falte seja apenas coragem, ninguém precisa de aprovação.

    As pessoas começaram a trocar de empregos com mais frequência, mudar de profissão, de vida, na metade dos anos 1990, começo dos anos 2000, quando tivemos estabilidade econômica. Meu pai quase teve um treco quando disse que ia pedir demissão de um emprego bacana, rapar minhas economias, vender o carro e passar um ano viajando de mochila. Mas isso faz 15 anos. Foi no século passado. Qual é a novidade de se fazer isso agora?

    No fim de semana, estava numa festa com amigos e serviam champanhe. Começamos a lembrar da época da faculdade quando a gente bebia porradinha, pinga com refrigerante. Colocava tudo no copo, fechava com a mão e dava uma chacoalhada batendo na mesa (porradinha) para misturar e dar efeito efervescente. Imagine a ressaca.

    A gente gargalhava só de lembrar da época das vacas magras. "E ainda esperava amanhecer para pegar o ônibus e voltar para casa!" Mais risos. A melhor coisa mesmo é tomar muita porradinha (na vida e da vida) antes de passar para o champanhe.

    É muito textão de gente com pouca quilometragem de vida –ou que exagera no currículo. Para falar da vida, só vivendo. Vão viver, acertar, errar, tomar suas porradinhas.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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