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    Mariliz Pereira Jorge

    A vida da maioria das pessoas com deficiência é uma sequência de 7 x 1

    10/09/2016 02h00

    Duvido que alguém tenha assistido à abertura da Paraolimpíada e não tenha ficado muito emocionado, com a impressão de que a humanidade tem jeito. Foi lindo ver cariocas e turistas lotarem o Maracanã.

    Eu, que estive também na abertura da Olimpíada, tive a impressão de que o estádio estava ainda mais cheio de gente abraçando os 4,3 mil atletas que desfilaram sob aplausos e chuva.

    Tudo naquela noite funcionou, em especial, o que há de mais importante num evento como esse, a inclusão. Estávamos todos no mesmo lugar, vivenciando a mesma experiência, sem as barreiras que segregam as pessoas deficientes do mundo "normal".

    Foi muito simbólico o momento em que o nadador Clodoaldo Silva recebeu a tocha e se deparou com um obstáculo para que acendesse a pira olímpica: uma enorme escadaria. Com os degraus em movimento, formou-se uma rampa que deu passagem ao atleta. O recado é claro. A acessibilidade derruba barreiras, rampas fazem a ponte entre o impossível e o possível.

    Teremos pela frente uma semana para aprender muitas coisas sobre as necessidades especiais de todas essas pessoas, mas que isso se transforme num exercício constante. Por que não temos mais colegas de escola ou de trabalho com deficiência, se há no Brasil milhões de pessoas nessas condições? Nossas calçadas são convidativas para quem usa andadores? Passa cadeira de rodas na porta desse restaurante? Tem rampa? Banheiro adaptado? Por que não há sinais sonoros para cegos nos cruzamentos?

    O mundo, infelizmente, não se tornará mais justo e acessível a todos porque celebramos as diferenças durante dez dias. Há preconceitos entranhados em nossa sociedade que não mudam por causa de momentos espetaculares, como de um atleta cego saltando muitos metros ou uma mulher linda como Amy Purdy sambando com suas pernas biônicas.

    No mesmo dia em que aplaudimos a superação, um jornalista português escreveu em sua página no Facebook: "só eu a achar que os Jogos Paralímpicos são um espetáculo grotesco, um número de circo para gáudio dos que não possuem deficiência, apenas para preencher a agenda do politicamente correto?"

    Gostaria de acreditar que esse é um fato isolado, mas não é. O mundo está cheio de gente para quem pessoas deficientes são aleijados, retardados ou meros palhaços num show de bizarrices.

    E o que falar dos preconceitos legais, aqueles impostos aos cidadãos e calcados em leis feitas sabe-se lá quando, que não se modernizam, não acompanham a evolução da medicina e da própria sociedade, e produzem episódios tristes como o relatado por uma leitora?

    O namorado, com 37 anos, é formado em ciências sociais e direito, passou em primeiro lugar num concurso público para o Tribunal de Justiça, no interior de São Paulo. Ontem, foi considerado inapto pela perícia por ter distrofia muscular. Segundo ela, a alegação é que ele pode precisar se aposentar antes do tempo, e lhe foi negado o direito que tanto estamos discutindo com essa Paraolimpíada, a inclusão.

    Não adianta apenas celebrarmos a capacidade de pessoas deficientes durante dez dias. Precisamos encarar que a vida da maioria delas é uma sequencia interminável de 7 x 1, e que a mudança para isso depende muito de todos nós.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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