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    Mariliz Pereira Jorge

    A torcida no futebol brasileiro não tem jeito porque o Brasil não toma jeito

    29/10/2016 02h00

    Rudy Trindade/FramePhoto/Folhapress
    Torcedores do Corinthians tentam derrubar grade de divisão das torcidas antes da partida contra o Flamengo, no Maracanã, pelo Brasileiro
    Torcedores do Corinthians tentam derrubar grade do Maracanã antes da partida contra o Flamengo

    Mais uma morte. Apenas isso. É assim que o torcedor Eros Dátilo Belizardo, 37, vai entrar para as estatísticas inacreditáveis de mortes de torcedores de futebol no Brasil. Ninguém nem se espanta. Mais um. Eros morreu no Mineirão, durante uma partida entre Cruzeiro e Grêmio. Especula-se que ele tenha sido agredido por um dos seguranças. Ufa, nem foi outro torcedor.

    Falamos de Eros quando o corpo do corintiano morto recentemente por espancamento, em Itapevi, já caiu no esquecimento. Como era mesmo o nome dele? Mais um. As pessoas lamentam, ninguém é punido, as torcidas continuam agindo livremente. Vida que segue.

    Em abril, a Folha mostrou que o número de mortes chegava a 113, desde 2010. E, veja só, as punições não passam de 3%. Seria surpresa, se isso não fosse reflexo do que acontece em nosso sistema criminal, que pune apenas 8% dos homicídios, de acordo com o Ministério da Justiça.

    A questão é simples: os problemas da torcida não têm jeito porque nem o Brasil toma jeito. Estamos acostumados a ver gente morrer. Os números relacionados às mortes, à violência e à impunidade no futebol são apenas um espelho da sociedade. Batemos recorde atrás de recorde. Estamos entre os países que mais matam seus cidadãos. Mortes no trânsito, por armas de fogo, de travestis e transexuais, homossexuais, mulheres.

    Somos o país em que a polícia mais mata e mais morre no mundo.

    Seria pedir demais que nossos torcedores apenas frequentassem estádios para se divertir. Quem se envolve com organizada nem sempre está apenas atrás de um grupo de amigos para fazer bandeira e entoar gritos de guerra. É gente que aterroriza a sociedade acobertada pelo manto das torcidas. Muitos de seus integrantes, é sabido, têm ligações com crime organizado.

    Acabar com as brigas e as mortes da forma como tem sido feito é enxugar gelo. Torcida única, por exemplo, só serve para que ninguém se mate dentro dos estádios. O Ministério Público já disse que é medida paliativa.
    Fora das arenas as cabeças continuam rolando.

    Muita gente usa o exemplo da Inglaterra, que conseguiu conter a escalada da violência de seus torcedores, como nossa possível solução. Vamos encarar o seguinte: o Brasil não é a Inglaterra. Lá, bastou que as leis fossem endurecidas e cumpridas. Desde 2000, casos de desordem pública, abuso de álcool, comportamento violento e até invasão do gramado começaram a ser duramente punidos. A ordem passou a ser prender, processar, banir.

    No Brasil, Ministério Público, federações e organizadas lavam as mãos. É um jogo de empurra-empurra. Há, por exemplo, uma lista com cerca de 100 nomes banidos dos estádios, que não serve para nada. Essas pessoas debocham da lei e continuam a frequentar os jogos, postam fotos em redes sociais, marcam brigas pela internet.

    O último capítulo dessa novela patética foi a prisão de 30 corintianos por causa do confronto com a Polícia Militar na reabertura do Maracanã. Os advogados dizem que é exagero. Exagero por que não morreu ninguém? Pois, se a Justiça quiser de alguma forma fazer algo contra a violência no futebol, poderia começar por esse caso. Já estão presos. Só falta processar e penalizar de alguma forma. Ou vai ficar por isso mesmo como sempre?

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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