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    Mariliz Pereira Jorge

    Só milagre trará paz entre torcidas

    10/12/2016 02h00

    O encontro histórico protagonizado pelas organizadas do Corinthians (Gaviões da Fiel), São Paulo (Independente), Palmeiras (Mancha Alviverde) e Santos (Torcida Jovem), em uma homenagem aos mortos na queda do avião que levava o time da Chapecoense, quase nos faz acreditar em milagre.

    Muita gente comemorou a bonita confraternização, na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu. Torcedores adversários conversavam como numa festa de fim de ano da firma. O colorido das bandeiras se misturava ao vento. Não havia dúvida de quem torcia para quem, mas todos eram Chape, todos estavam unidos por uma paixão ferida dolorosamente.

    É muita ingenuidade acreditar que essa trégua seja sinal de amadurecimento entre os torcedores, por uma simples razão: o saldo de mortes relacionadas a brigas entre torcidas de futebol é tenebroso. De 2010 a abril deste ano, 113 pessoas morreram simplesmente porque torciam para o time errado, na hora errada, no local em que estavam grupos rivais.

    Essa estatística prova que o sentimento motriz da aproximação das torcidas no último domingo não foi empatia, solidariedade ou a percepção de que brigar por causa de futebol e tirar a vida de um adversário é apenas uma ignorância monstruosa.

    Não dá para se enganar. As cenas de corintianos e palmeirenses entoando em uníssono cantos de exaltação à Chape foram embaladas pelo calor do momento, pelo luto coletivo, que talvez não dure até a próxima rodada. Todo mundo quer tirar uma casquinha da comoção e ficar bem na fita. Fala-se agora que o PCC estaria por trás da trégua. Talvez só assim. Ou um milagre.

    O episódio da queda do avião da Chapecoense e as brigas de torcida têm mais em comum do que parece. São situações que poderiam ser evitadas não fosse a estupidez humana. No caso do avião, a inacreditável economia de combustível. Sobre as brigas de torcida, o equívoco da rivalidade transformada em raiva, combustível que transforma torcedores em potenciais agressores.

    Quando a disputa falar mais alto, será possível que duas torcidas se encontrem depois de um jogo e troquem cumprimentos fraternos ou sentem no bar para tomar cerveja e xingar a mãe do juiz?

    Comportamentos condenáveis, mas ainda assim agressivos poderiam já estar no passado, mas se repetem à exaustão nos estádios. A torcida continua protagonizando cenas de racismo e de homofobia sem que nada de eficaz seja feito para coibir tais atitudes.

    O mesmo torcedor que se sente à vontade para gritar "bicha" na hora da cobrança de tiro de meta deve achar natural provocar o adversário com impropérios ou se armar com paus e pedras para enfrentá-lo no meio da rua.

    Tudo isso tem a mesma raiz: falta de educação e empatia. E continuam acontecendo também por uma razão comum: falta de punição. As organizadas fecham os olhos para o comportamento criminoso de seus afiliados. Clubes e federações ignoram que as torcidas têm ligações com a contravenção. Pouca coisa é investigada e apenas 3% das infrações são punidas.

    Fingimos que somos todos Chape, que somos todos unidos por uma paixão. Até que mais um torcedor morra espancado ou baleado. Tudo em nome do futebol.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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