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    Mariliz Pereira Jorge

    Delírios de consumo de uma viciada

    19/01/2017 06h14

    Em 90% das minhas últimas viagens, comprei uma mala nova para trazer as compras que fiz. Nas outras 10% das vezes, levei uma extra já pensando no strike do cartão de crédito. E acho que nunca me dei conta do absurdo disso até que fui chamada para escrever uma nova temporada de Além da Conta, com Ingrid Guimarães, no GNT.

    Durante o desenvolvimento do programa, descobri que sou "meio" viciada. Apenas "meio", porque não me encaixo na descrição dos sintomas de gente que realmente vai parar no consultório médico para tratar a compulsão por comprar demais.

    Eu compro demais. Tenho pares de sapato, roupas, acessórios, bijuterias que jamais foram usados. Coisas que eu fui adquirindo, ganhando de presente, acumulando em anos de consumo desenfreado, e que hoje recheiam um guarda-roupa que poderia vestir uma família de refugiados.

    Robert Zuckerman/Divulgação
    A atriz Isla Fisher em cena de "Delírios de Consumo de Becky Bloom", de 2009
    A atriz Isla Fisher em cena de "Delírios de Consumo de Becky Bloom", de 2009

    Como eu sei que não sou doente? Fiz o teste. Não me endivido, não compro além do que realmente cabe no meu orçamento, nunca roubei o cartão de crédito do marido, não deixo de sair para jantar, viajar ou inventei uma doença para pedir dinheiro emprestado para quem quer que fosse, tudo para investir numa comprinha. Tem gente que faz isso.

    Mas sou refém de uma coisa que os brasileiros amam: comprar parcelado. Se a vendedora fala que parcela, quase babo de emoção. Se for em 12 vezes me sinto imediatamente rica. Ou seja, sempre, porque no Brasil o comércio é movido por gente como eu que fica hipnotizada pelo valor da parcela. Qualquer coisa que custa R$ 1.000 se transforma automaticamente em uma parcelinha inofensiva de R$ 100 na minha cabecinha semi-doente. Take my money, eu quase imploro.

    Já no primeiro dia, a gravação foi no Bom Retiro, paraíso das sacoleiras. Eu sou sacoleira? Para consumo interno, sim. Não era Nova York, onde o programa já foi gravado tantas vezes, mas tinha muita coisa com precinho de Nova York. E enquanto Ingrid conversava animadamente com sua convidada, eu assaltava as araras com a ajuda infalível das vendedoras, que você sabe, são todas demônias e ajudam você a comprar tudo que não precisa. Vou levar estas quatro. No mínimo seis para o preço ser no atacado. Pensa que eu desistia? Gente compulsiva não desiste nunca. Mais duas para cumprir a meta. Isso quando não dobrava a meta.

    No dia seguinte, estivemos na Galeria Pagé, onde eu adquiri uma quantidade escandalosa de xampus, condicionadores e cremes de tratamento. Nem muito cabelo eu tenho, mas isso não tem importância. Posso mudar de ramo e abrir um salão de beleza. Tem produto no meu banheiro suficiente para virar 2019, mas que vai vencer antes de ser usado. Meu marido, olhando o box, decretou, ou ele ou os xampus. Marido está mais difícil.

    Tive que esconder o arsenal na despensa, camuflados numa caixa de vinho.

    Na volta, minha mala era uma confusão de roupas, cosméticos, porta-retratos, nécessaires, álbum de fotografias. Quem monta álbum de fotografias? Eu também não, mas fico idealizando ser essa pessoa que os produtos fazem a gente acreditar que a gente é. Até hoje tenho guardado um quimono japonês que trouxe de Tóquio. Para quê? Para vestir quando pedir comida japonesa? Fazia todo sentido quando estava no Japão, aqui está apenas fazendo companhia aos tamancos holandeses e ao short de muai thai, que trouxe da Tailândia.

    Ontem, quando comprava uma coisinha que está em promoção no site de uma loja que adoro, me dei conta que basta eu digitar o primeiro número do cartão de crédito que as informações se completam automaticamente. Estão salvas no meu computador. Bolei. Quem, com algum juízo, faz isso?

    Minha caixa de e-mails é bombardeada diariamente por mensagens de lojas de roupas, sapatos, eletrodomésticos, petshop, companhias aéreas. Leio todas. Me pego pesquisando passagens de avião sem ter nenhuma viagem programada. Eu sei, doente.

    Eu piro com promoção, lançamento, coleção nova, desconto, 50%, acredito em vendedora e em blogueira. Sempre acho que preciso de um vestido, uma calça ou um sapato novo, mesmo tendo encontrado quatro pares intactos na arrumação que fiz quando cheguei de viagem. Decidi que preciso usar o que tenho ou passar para frente.

    Enquanto escrevo este texto, minha prima diz que está louca para ver o novo episódio do programa que mostra Ingrid com Fábio Porchat numa loja de cosméticos. Ela conta que é louca por marcas asiáticas, que salvaram sua pele, que são excelentes, que participa de uma comunidade no Facebook e tudo. Marca asiática? Boa? Quais? Me adiciona no grupo? Onde encontra? Parcela?

    Eu sei. Pode me internar, sou muito além da conta.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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