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    Mariliz Pereira Jorge

    A revolução individual de cada mulher

    09/03/2017 10h43 - Atualizado às 12h30

    O Dia Internacional da Mulher não é mais o mesmo. Ainda bem. A gente passava algumas horas recebendo cartões virtuais cafonas, florzinha mequetrefe e, então, à meia-noite a Gata Borralheira tinha que sair correndo para voltar à vida sofrida na masmorra. Há de se concordar com quem falava que não havia o que comemorar.

    Paralisações, protestos, greves e mesmo as manifestações solitárias nas redes sociais finalmente mostraram que a voz que vem se erguendo a favor da igualdade entre os gêneros não vai baixar o tom nunca mais e que o Dia da Mulher ganhou um novo significado, muito mais representativo, do que quer a mulher atual, que não são flores ou cartões, mas respeito, igualdade e oportunidade.

    Mas qual é o próximo passo do feminismo? E não falo dos movimentos, que têm nuances tão distintas, com as quais nem sempre nos identificamos, mas do que eu chamo de a revolução individual que cada mulher pode fazer para que se sinta mais valorizada, tenha mais controle do seu próprio destino e da qualidade de sua vida.

    Eu me pergunto todos os dias: o que depende apenas de mim para que eu seja cada vez mais independente? É um exercício solitário e muitas vezes doloroso. Nem sempre estamos preparadas para encarar a responsabilidade que temos por nossa condição atual e muito menos para enfrentar uma mudança.

    Já sabemos que o mundo é machista. Apenas os machistas acham que não. Não sei vocês, mas estou cansada de ouvir que as mulheres ganham 30% a menos, que os homens são todos tarados em potencial e que não dividem as tarefas domésticas, que nos interrompem quando estamos falando, sem que o debate avance para o capítulo seguinte à denúncia. A situação é ruim, mas e agora?

    Algumas conquistas podem levar anos, décadas, para serem alcançadas, principalmente aquelas relacionadas à violência contra a mulher, que dependem de leis, de que a justiça seja feita, de que a sociedade passe por uma transformação sólida. Mas não quero levantar todos os dias acreditando (e lamentando) que minha vida é pior do que a da maioria dos homens, e simplesmente não fazer nada, além de protestar.

    Então, aqui vai uma humilde contribuição de como podemos avançar um pouco nas questões que dependem de nossas pequenas, mas tão significativas, revoluções individuais.

    SALÁRIO

    Muitas mulheres ainda ganham menos do que os homens nas mesmas posições, realizando as mesmas tarefas, mas pare de acreditar neste número que grudou na cabeça das pessoas como chiclete em sola de tênis. A diferença média é de 16%, segundo dados do Observatório de Igualdade de Gênero da Comissão Econômica, da América Latina, e não de 30%. Mas vamos ao que mais interessa: como resolver isso.

    O mundo corporativo não funciona assim. É preciso ousadia e agressividade para crescer, o que os homens aprendem desde criança. Tem que ser macho, tem que fazer, tem que acontecer. Muitas mulheres ainda são criadas para serem passivas. Não ligue, não procure, não se ofereça, não cobre. Que surpresa descobrir que isso se refletiria no trabalho também, hein?

    No momento em que entendi a equação, o jogo mudou. Nos últimos cinco anos negociei absolutamente todos os trabalhos e sempre saí satisfeita com o resultado e parei de me sentir a coitadinha, injustiçada. Na verdade, me senti muito poderosa.

    TAREFAS DOMÉSTICAS

    Não há nada que seja mais frustrante, quando se fala em igualdade, do que ouvir uma mulher dizer que seu parceiro "ajuda" nos afazeres de casa. Cada vez que você repete isso apenas confirma que cuidar da casa é sua obrigação. Não é. Também não adianta aparecer da noite para o dia com uma listinha com as novas obrigações dele com o lar. Não funcionará nem que você faça uma apresentação em PowerPoint.

    Se você já é casada e não quer acabar com o casamento, mas também não aguenta mais fazer as coisas sozinha, precisa conversar e negociar algumas tarefas. Brigar não resolve nada. O fofo se recusa? Não limpe, não lave, não passe, não cozinhe, não se incomode com as coisas dele. Quando ele se deparar com o caos talvez entenda a trabalheira que você tem sozinha.

    Tarefas, enfim, divididas. Não adianta você se transformar na maníaca da limpeza, criticando tudo o que ele faz. Jamais, nunca, diga "não fez mais do que sua obrigação", mesmo que a gente saiba que isso é verdade. Isso só vai gerar frustração em ambos e logo vocês voltam à estaca zero. Ou seja, você limpa e ele assiste TV. A casa fica um brinco, você fica exausta e puta da vida. Isso vale também para os cuidados com os filhos, as compras da casa, a organização do guarda-roupa, a gasolina do carro.

    Conheço casais que brigam mesmo tendo faxineira porque a expectativa de um sempre será diferente do outro. Eu, por exemplo, tenho um leve TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Arrumo as almofadas do sofá três vezes por dia, passo pano na bancada da pia cinco vezes, fico louca com marcas de dedo no vidro da mesa, roupas penduradas nas cadeiras, pia cheia de louça e sou incapaz de dormir numa cama desarrumada.

    Meu marido simplesmente não enxerga nada disso. Eu reclamo, ele se esforça, mas não posso querer que ele tenha o mesmo nível de exigência do que eu tenho para o que é uma casa limpa e organizada. Por outro lado, ele vai ao supermercado, lugar onde eu apenas entro para comprar vinho. Sou eu quem sempre pergunta o que temos para o jantar. Ninguém melhor do que ele para "indicar os desajustes de preço". Então, o que eu faço de "extra" não me incomoda. Compensações.

    MEN INTERRUPTING

    O assunto é novo, mas o problema é velho. Muitas mulheres nem se dão conta de como são interrompidas quando estão falando. E isso é uma forma de opressão. O aplicativo Woman Interrupted acaba de ser lançado e ajuda a contabilizar essas cortadas. Só o app não faz a menor diferença. Você chega a conclusão de que sempre enfia o rabo entre as pernas cada vez que um homem está falando. É interrompida pelo parceiro, por amigos, chefes, colegas de trabalho. Mas e daí?

    Você precisa mudar de atitude. Já vimos que apenas reclamar pode demorar anos para que alguma coisa mude. Não mudam os homens, mudam as mulheres. A gente precisa entender por que permitimos que nos violentem dessa forma. Muito provavelmente por causa de uma educação conservadora em que as mulheres sempre foram coadjuvantes. O homem fala, a mulher consente.

    Como mudar isso? Procurando ajuda profissional. Um bom psicanalista pode ajudar a resolver a passividade. E essa transformação é capaz de se refletir nas relações profissionais e pessoais, além de melhorar um tanto a autoestima. Pense nisso.

    SORORIDADE

    Tenho visto cada vez mais mulheres se dizerem não feministas. Tenho visto cada vez mais mulheres agredirem feministas. Tenho visto há tempos feministas desmerecerem mulheres que não andam na linha traçada por alguns movimentos. É tudo muito triste e contraproducente.

    O feminismo é a única saída para as mulheres. Sem uma contínua luta pela igualdade, nossas conquistas perderão força. E nossas forças apenas enfraquecem cada vez que uma mulher se vira contra a outra. Falta empatia, mas falta sobretudo união. E sem união continuaremos patinando nesse pântano de machismo.

    As mulheres são diferentes, têm ideais de vidas diferentes, portanto nada mais natural que sejam feministas com visões particulares sobre os melhores caminhos para chegar aonde todas almejam. Portanto, não interessa se uma não raspa o sovaco e a outra gosta de fazer selfie para ganhar like de macho. Todas têm que se respeitar, as diferenças não podem provocar tanta desunião e intolerância como temos visto.

    A palavra sororidade, que tem um significado tão forte, só é colocada em prática entre mulheres que se identificam, para as outras resta tiro, porrada e bomba. Está na hora de todo mundo fazer as pazes.

    Seja a feminista que você quiser, a que você puder, mas seja feminista.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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