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    Mariliz Pereira Jorge

    Quem tem pressa come cru

    11/03/2017 02h00

    Por pior que sejam filmes ou livros, acabo sempre indo até o final, mesmo tendo sempre uma fila deles me esperando. Podem ter uma reviravolta inesperada, vai que surpreende de alguma forma. No mínimo, terei mais propriedade para dizer por que não gostei. Também não costumo sair do cinema antes dos créditos, porque sempre tem chance de uma cena inesperada, erros de gravação, qualquer diversão extra.

    É de Steven Spielberg uma das primeiras cenas pós-crédito do cinema de que me lembro, em "O Enigma da Pirâmide". Ela mostra um personagem fazendo check in em um hotel com o nome de Moriarty, um dos mais conhecidos inimigos de Sherlock Holmes. Em "Cidade de Deus", por exemplo, aparecem reportagens da época, que fazem a conexão do filme com a realidade. Filmes de super-heróis têm usado o recurso e era esperado que "Logan", o último filme de Hugh Jackman como Wolverine, trouxesse uma surpresinha, o que não aconteceu.

    Quem desligou a TV assim que o Oscar de melhor filme foi anunciado, soube da lambança ocorrida apenas no dia seguinte. A premiação é demorada, termina na madrugada e nem todo mundo tem paciência para ouvir pessoas, muitas vezes desconhecidas, agradecer o pai, a mãe e a Xuxa. Perderam de ver ao vivo o maior desastre da festa da Academia.

    Mas o que espanta mesmo é que tanta gente, apaixonada por esporte, jogue a tolha quando um jogo não tem o andamento como o esperado. Ainda mais em modalidades que podem ser definidas nos últimos segundos. O primeiro trimestre nem acabou e já temos dois exemplos de que quem tem pressa come cru.

    Era difícil acreditar em uma reação do New England Patriots, que perdia por 28 a 3 do Atlanta Falcons, na final do Super Bowl. Pelas redes sociais, dava para perceber que as pessoas foram desistindo aos poucos de acompanhar o jogo.

    Mas o que parecia a final mais xoxa e sem graça da história do campeonato, transformou-se numa decisão eletrizante e quem ficou acordado viu a história sendo escrita. O Patriots terminou o terceiro quarto ainda perdendo por 23 a 8 e no último empatou o jogo a menos de um minuto do final. Levou a partida para prorrogação, a primeira em todos os anos de Super Bowl, e faturou mais um título.

    Mesmo quem não entendia nada do que acontecia em campo foi contagiado pela reviravolta espetacular do jogo. Eu mal consegui dormir.

    E esta semana tivemos mais um exemplo de que tudo pode acontecer. Imagine que você é um dos 90 mil felizes torcedores com ingresso para ver um jogo decisivo, mas diante da pouca chance do seu time, vai embora.

    Foi o que aconteceu com alguns torcedores do Barcelona. Teve gente que deixou o estádio quando o time tinha quatro gols de vantagem do PSG. Outros acharam que mesmo ganhando de cinco seria impossível fazer mais um gol.

    Aconteceu o impossível.

    Um dos torcedores viu pela TV de um bar nos arredores do Camp Nou o Barcelona operar um milagre. Outro, soube do gol aos 50 minutos quando dava uma entrevista no lado de fora.

    O que as pessoas têm de tão importante para fazer que não podem esperar 20 minutos para ir embora, dormir ou trocar de canal? Imagine estar do lado de fora quando o estádio explodiu em festa com o gol de Sergi Roberto. Frustração para o resto da vida.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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