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    Mariliz Pereira Jorge

    Não estamos preparados para perder nossos pais

    11/05/2017 09h00

    Esta semana um colega, que tem a minha idade, perdeu a mãe. Disse que está sendo o momento mais difícil de sua vida. Só, então, me dei conta de que nunca penso nesse assunto, mas meus pais estão envelhecendo. Tive uma crise de choro porque percebi algo tão simples, mas também tão devastador, exatamente agora em que nossa relação parece no auge da maturidade e do companheirismo, e não tenho lidado bem com o fato de que meus pais morrerão um dia.

    Na semana anterior, fugi com minha mãe para Buenos Aires (Argentina). Uma viagem de meninas. Foi emocionante para mim perceber que minha progenitora há muito tempo deixou de ser apenas a mulher que me trouxe ao mundo. Ela não é mais a pessoa para quem eu apenas ligo para contar novidade, pedir ajuda, dinheiro emprestado, um colo quando estou triste.

    Eu finalmente a vejo como a mulher interessante, divertida, amiga, que ela sempre foi, mas que acabou subestimada aos meus olhos por causa do seu papel de minha mãe. De uns anos para cá, eu a percebi como alguém que eu chamaria para tomar uma cerveja num final de tarde, para fazer uma viagem e escapar um pouco do cotidiano ou trocar obscenidades pelo WhatsApp.

    Fotolia

    Brindamos na sala de embarque, fofocamos durante a viagem toda, registramos nossa cumplicidade em selfies, visitamos museus, boicotamos a dieta, fizemos compras desnecessárias, dormimos abraçadas, acordamos tarde, passamos horas conversando em torno de uma taça de vinho. Hoje, há poucas pessoas com quem eu me sinta tão à vontade de despir as coisas que escondo de mim mesma do que ela.

    Sabemos que nem sempre é assim. A maioria de nós perde uma parte de nossas vidas, se não odiando, evitando muita proximidade com os pais. Na série "Big Little Lies" (HBO), um dos principais conflitos é o conturbado relacionamento de uma das protagonistas com sua filha adolescente. Tão clichê, tão irritantemente real.

    Embora eu não tenha chegado a odiar meus pais nessa época, apenas naquelas situações em que os adolescentes conseguem ser bastante patéticos, é claro que no pico da minha imaturidade eu acreditava que eles tinham uma missão clara de fazer da minha vida um inferno. Aquele típico martírio que vem em forma de cobranças absurdas de ir bem na escola, não usar drogas, não andar em má companhia, chegar em casa no horário estipulado, ser responsável. Que pais são esses, não é mesmo?

    Muitas vezes me achei a pessoa mais injustiçada no mundo, assim como a maior parte dos adolescentes, que tem a mais profunda certeza de que a existência dos pais se resume em atrapalhar a nossa vida. Apenas alguns anos depois percebi que tive uma educação muito mais liberal e também mais honesta com eles do que a maioria dos meus amigos teve com seus progenitores. Foi nesse ponto que nossa relação começou a mudar, talvez porque eles tenham deixado que a vida tratasse de desconstruir todas as insuportáveis certezas que apenas um adolescente tem, sem nunca terem usado o famigerado "eu te disse", apenas mostrando como poderia ser diferente e estendendo uma mão quando eu precisava.

    Meu pai faz 70 anos no fim deste mês. Minha mãe tem 69. Os dois são saudáveis, mas me peguei fazendo cobranças que até alguns anos atrás nem me passariam pela cabeça. Imagino que essa preocupação com a saúde e bem-estar deles traga uma mensagem subliminar, de que a partir de um certo ponto eles nos despertam um olhar mais cuidadoso, quando os papéis começam a se inverter.

    Digo ao meu pai que ele está magro demais, cobro que minha mãe faça musculação. Ele ainda é a pessoa mais divertida que conheço, mas não é mais um garotão. Ela precisa ter força para carregar a mala nas viagens que tanto ama. Quero acreditar que ainda tenho mais 30 anos para retribuir todo amor e dedicação deles. Quem sabe nesse tempo eu consiga me acostumar à ideia de não os ter mais por perto, mas desconfio que por mais adultos que sejamos nunca estaremos preparados para este dia.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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