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    Mariliz Pereira Jorge

    Cada um enxerga a realidade como quer, não como ela é

    25/05/2017 02h00

    Reprodução/Video
    Parte de trás, da esquerda para a direita: René Ariel Dotti, advogado da Petrobras (a empresa é assistente de acusação), Roberto Teixeira e Valeska Teixeira Martins (advogados de Lula)À frente: Cristiano Zanin Martins (advogado de Lula), Luiz Inácio Lula da SilvaÀ direita, de cima para baixo: Carlos Fernando Lima (procurador), Júlio Noronha (procurador), Roberto Pozzobon (procurador), Sergio Moro e servidora (não identificada)
    Lula é interrogado pelo juiz Sergio Moro

    Em assuntos que mexem com a emoção do sujeito –como futebol, religião ou política, por exemplo– o cérebro humano não assimila nem aceita informações e evidências que vão contra suas convicções, comentou a jornalista Malu Gaspar, sobre um estudo de neurociência que havia lido recentemente.

    Ela deu como exemplo o racha que pudemos observar no dia do interrogatório de Lula ao juiz Sergio Moro. "Todo mundo assistiu ao mesmo depoimento, viu as mesmas imagens sobre manifestações a favor e contra Lula. Mas quem era pró-Lula acha que o depoimento foi um sucesso e o ex-presidente desnudou as verdadeiras intenções de Moro. Quem já era contra Lula celebrou o fracasso. E assim vamos confirmando a ciência."

    A pesquisa foi conduzida pelo psicólogo Drew Western e um time de pesquisadores da Emory University, sediada em Atlanta (EUA), e o resultado apresentado na conferência anual da Sociedade de Psicologia Social e Personalidade.

    Basicamente, os pesquisadores chegaram à seguinte conclusão: nós apenas procuramos evidências para confirmar e apoiar nossas crenças e ignoramos ou simplesmente reinterpretamos da forma que melhor nos convêm as provas que refutam nossas convicções.

    Outros estudos conduzidos há pelo menos seis décadas que já mostravam o que os pesquisadores chamam de "viés da confirmação", o nosso cérebro descarta o que não combina com nossas opiniões e liga o radar apenas para aquilo que atesta nossas teses. Um deles, feito pela Universidade de Ohio, mostrou que passamos 36% mais tempo lendo algo que esteja alinhado com nossas ideias do que qualquer coisa que seja contrária a elas.

    Ou seja, ninguém lê para se informar, apenas para ter razão. Nada do que os jornais digam, do que o noticiário mostre, nenhum tipo de comentário ou debate, por mais civilizado que seja, se revela minimamente eficaz porque o cidadão simplesmente não está interessado.

    Vemos todos os dias isso pelo noticiário. Veículos de comunicação são atacados ora por coxinhas, ora por petralhas, sem falar dos bolsominions, dependendo da notícia que trazem em suas manchetes. Se ela agrada será compartilhada imediatamente. Do contrário, apenas serve para que a fonte seja desacreditada. Não serve.

    Cada vez que deixamos de seguir amigos ou conhecidos nas redes sociais, nos fechamos ainda mais numa bolha tendenciosa que faz o trabalho sujo de filtrar os resultados e ignora as possíveis alternativas. Com isso, a fantasia de que o mundo todo pensa da mesma forma e que os outros, aqueles imbecis, é que estão errados, apenas se fortalece.

    Passamos a ver interesses escusos e conspiração quando o "lado de lá" nos surpreende com posicionamentos com os quais concordamos. Abandonamos a busca da verdade porque é difícil assumir um erro ou mesmo encarar que se vive uma mentira, principalmente quando há tantas outras pessoas mergulhadas na mesma irracionalidade e o compromisso ideológico de se manter fiel a ideais.

    Mais fácil manter a soberba, mesmo que descubra que tem sido manipulado por suas próprias emoções, mesmo que se dê conta que tem sido apenas um idiota vivendo de mentiras.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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