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    Mariliz Pereira Jorge

    A barbárie no futebol é apenas um reflexo do que acontece no Brasil

    15/07/2017 02h00

    Clever Felix/Brazil Photo Press/Folhapress
    Policial atira bomba de efeito moral na direção de torcedores no estádio São Januário
    Policial atira bomba de efeito moral na direção de torcedores no estádio São Januário

    Em menos de cinco dias, duas mortes. Já são dez em 2017. Um torcedor do Vasco morreu baleado, sábado (8), dia de clássico contra o Flamengo. Na madrugada de quinta (13),um palmeirense se envolveu numa briga e foi esfaqueado por um corintiano.

    Nas redes sociais é fácil ver gente apontando o dedo para o lado X ou Y, como se algum dos grandes times não tivesse membros de suas torcidas envolvidos em brigas ou em mortes nos últimos anos. Meu amigo, o time adversário não tem mais bandido do que o seu. As torcidas estão repletas deles, que já saem de casa não com o intuito de se divertir, mas de machucar alguém.

    O jogo em São Januário, na zona norte do Rio, acabou sendo palco de um lamentável episódio, com a torcida do Vasco destruindo o próprio estádio, aterrorizando os jogadores do Flamengo, que não conseguiam deixar o campo. Um torcedor baleado e morto, dois hospitalizados porque também levaram bala.

    Também por causa disso volta a discussão da validade da torcida única, medida defendida pelo Ministério Público e acatada por um juiz, desde que um torcedor do Botafogo morreu no Engenhão, em fevereiro. No dia 27 de junho, a Justiça garantiu torcida mista, reivindicada pela Federação de Futebol do Estado do Rio.

    Agora querem interditar o São Januário. Como vimos em São Paulo, nada disso adianta. O palmeirense morreu a dois quilômetros do Allianz Parque, depois de um jogo que recebia apenas torcedores do mandante.

    O promotor do Juizado Especial Criminal Paulo Castilho disse à Folha que não relaciona o assassinato do torcedor palmeirense ao futebol. De certa forma ele está certo. Se vivêssemos em uma sociedade onde a violência só ocorresse dentro dos estádios, poderíamos colocar na conta do esporte, mas não é a realidade.

    Recentemente, a ONG Mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal divulgou um ranking das 50 cidades mais violentas do mundo. O Brasil aparece 19 vezes na lista. É o país com maior número de citações. São Paulo e Rio de Janeiro, onde ocorreram essas mortes, nem aparecem. Imagine o tamanho do problema.

    Outros dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que entre 2005 e 2015 a taxa de homicídios dolosos aumentou em 20 Estados. Sabemos que desde então a violência piorou. Não somos um país civilizado e muito menos pacífico. A barbárie no futebol é apenas reflexo do que acontece em todos os cantos.

    No entanto, não dá para eximir o futebol de toda culpa. A impunidade dos torcedores envolvidos em crimes relacionados ao esporte é ainda maior do que a taxa de 8% de punição dos casos de homicídios em geral. Apenas 3% recebem punição.

    O Ministério Público exige torcida única, interdita estádios, aplica multas. Apenas enxuga gelo, porque ninguém vai deixar de se matar por isso. Os clubes pouco se esforçam. É preciso afastar dos estádios torcedores que já foram banidos, ter tolerância zero com bandido uniformizado, fazer campanhas de conscientização, tentar atrair outro tipo de torcedor.

    A Inglaterra conseguiu conter a violência dos hooligans que tocavam o terror nos estádios e imediações com punições severas. Milhares de briguentos foram presos. Mas o Brasil não é a Inglaterra. O que acontece dentro dos nossos estádios existe em maior proporção do lado de fora. É desesperador.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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