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"Trato meus dois gatos como filhos" |
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Colunistas
Sunday, 05-May-2024 22:24:25 -03Mariliz Pereira Jorge
Trato bicho como filho
20/07/2017 02h00
Confesso. Trato meus dois gatos como filhos, falo com eles com voz de criança. Pergunto se estão com fome, com frio, com sede, com sono. Chego em casa e quero saber "cadê os amores da mamãe?". Paro no meio do caminho até a cozinha para fazer carinho, dar beijinho, amassar. Vin-te ve-zes por dia.
Meu colega de coluna Marcius Melhem escreveu esta semana que não existe a menor possibilidade de ele tratar bicho como gente. "Bicho é bicho, gente é gente."
Eu era mais ou menos desse time. A primeira vez que tive um cachorro só meu, há uns 20 anos, disse que ele jamais dormiria na cama. Minha convicção durou até a primeira manhã em que acordei e dei de cara com a cabecinha do Oscar no travesseiro. Poucas vezes me olharam de forma tão amorosa e sincera. Derreteu meu coração e minhas regras de higiene.
Há um ano, adotamos uma gata. Comprei enxoval, caminha, mantinha e travesseirinho. E ganhei a carteirinha do bizarro mundo das pessoas que apelam ao diminutivo para falar com bebês, animais e plantas. Como se isso estabelecesse um canal de comunicação mais eficiente e não me deixasse apenas patética. No começo, tentei me policiar para falar apenas na presença dos gatos. Agora, parentes, amigos e desconhecidos já consideram caso perdido.
O chão da sala parece um playground e a mala de uma viagem tinha mais presentes para os bichos do que para os donos da casa. Precisei colocar limites, mas estou prestes a ceder e deixar que sejam instaladas prateleiras nas paredes, não para mais livros, mas para que os pitucos sintam-se estimulados a brincar. Eles gostam de ficar em lugares altos, diz Jackson Galaxy, uma espécie de Super Nanny dos gatos. Adeus, decoração.
Em dois meses, descobrimos que a "princesinha do papai", encontrada na lata do lixo, era um menino. Aparentemente quem tem gato tem uma história dessa para contar. Mas nos sentimos especiais e sempre damos um jeito de entediar alguma pessoa, relatando o caso como quem descreve a descoberta de um filho trans. Final feliz.
Adotamos mais um felino há quatro meses e nosso grau de insanidade –ops, de cuidados– só piorou.
Recentemente vimos o documentário "Pet Fooled" e concluímos que a comida industrializada é veneno para os pixucos. A gente come até pedra, comida com agrotóxico acima dos limites, carne com papelão, mas o freezer agora é metade comida crua para gato, devidamente balanceada, com ômega 3, complexo B e taurina manipulada. Feita em casa. Já contei como o pelo está maravilhoso e o cocô sequinho e sem cheiro? Eu sei, é grave.
No momento em que escrevo, um deles sobe no meu colo, se aninha e dorme, o que me deixa imóvel, com um olhar de adoração. Fico com a perna dormente, o prazo no limite, a bexiga cheia, mas não ouso me mover porque o coração suspira quentinho.
O leitor talvez diga que preciso de um filho. Talvez. Meu psicanalista diz que querer ter filho é uma coisa, tratar bicho como filho é outra coisa. Me tranquilizei.
O "pai" dos pitucos fecha a janela porque o vento está frio e diminui o volume da TV. Tudo para não atrapalhar a soneca dos meninos. Falei que cubro com mantinha? Dia desses dei de cara com ele com os olhos cheios d'água porque o gato de um amigo morreu. Pensei na hora nos pixuquinhos, me disse. Poucas vezes o vi daquele jeito. Nem no nosso casamento.
Três semanas fora de casa, ele chega de viagem. Eu, toda trabalhada no coque despretensioso e numa bata sexy, curtinha, caída no ombro, descalça, fazendo a brejeira, rímel preto nos cílios e blush na bochecha, para dar um ar natural de "acordei assim, saudável".
Abro a porta, ele larga as malas, como no clipe do Roberto Carlos... "eu voltei, aqui é meu lugar...". Entra correndo e abraça o gato. Nunca fomos tão felizes.
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