• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 00:49:18 -03
    Mariliz Pereira Jorge

    Cerveja não é a culpada pela violência nos estádios de futebol

    26/08/2017 02h00

    Que tipo de contravenção você seria capaz de cometer movido a doses de álcool? Mandar mensagem para um/a ex? Cantar "Evidências" aos berros e ser acusado de desordem pública? O excesso de álcool não deveria deixar alguém com vontade de distribuir sopapos ou de sair de casa armado para um eventual desentendimento. Quem faz isso é delinquente. Tipos que não deveriam frequentar estádios de futebol.

    É patética, mas infelizmente necessária, a discussão sobre a liberação da venda de álcool nas arenas de São Paulo. A culpa da violência é de gente violenta, não do copo de cerveja. Ao contrário do que o deputado estadual Coronel Telhada (PSDB) disse, não é a bebida que provoca "desordem, vandalismo e violência". Fosse assim qualquer lugar onde a venda de álcool é liberada seria um campo de batalha. Não é.

    Há inúmeros estudos que relacionam álcool e violência, quase todos apontam para fatores genéticos e/ou culturais, como baixo nível educacional.

    Gente que fica doida porque toma duas doses de uísque deveria se manter longe da bebida. É fácil perceber que o problema nos estádios tem a ver com educação, e a falta dela virou uma epidemia no país.

    Sediamos Copa e Olimpíada, em que a cerveja rolou livre em todos os ambientes de competição, sem restrição de horário ou de quantidade, como propõe o promotor Paulo Castilho (venda até o início do jogo, no intervalo, bebida com baixo teor de álcool). Não houve incidentes graves. As torcidas eram misturadas e o que prevaleceu foi a festa.

    O último registro de morte de torcedor aconteceu depois de um jogo entre Palmeiras e Corinthians, em julho, a quase dois quilômetros do estádio. Pelo menos um dos envolvidos tinha sinais de embriaguez. Bebeu fora do estádio, participou da morte de um torcedor longe de onde a bola rolou. Podemos concluir que o problema não é a bebida nas arenas, mas o perfil do torcedor brasileiro, que não raramente marca porradaria pela internet.

    Há exemplos de outros lugares no mundo em que a venda de álcool não implica em aumento de violência. Estados Unidos, Alemanha e até mesmo a Inglaterra, que controlou a violência dos baderneiros com punição severa, não com privação de álcool. Não é o caso do Brasil.

    É hipocrisia culpar a bebida. Seria mais honesto que dirigentes, polícia, Ministério Público admitissem que não têm capacidade de coibir problemas e competência para punir os incidentes -com ou sem bebida. Que tal falar abertamente que há muito bandido nas organizadas e que sobra torcedor encrenqueiro? É o tipo que xinga o jogador de macaco, que solta rojão na torcida adversária, que precisa ser escoltado pela PM para ir embora sem o perigo de ser morto ou de matar alguém.

    Do jeito que a discussão acontece fica a impressão de que a liberação da bebida vai acabar com a paz que reina no futebol e que tudo vai virar uma baderna. Fosse esse mar de rosas não seria necessária a presença ostensiva da PM nos jogos.

    O que deveria estar em discussão é se, tendo entre os torcedores gente com o perfil violento, deveríamos colocar mais gasolina na fogueira? Não. Por outro lado, quem quer encher a cara e fazer baderna, vai encher antes de entrar no estádio.

    Por fim, não é justo punir o sujeito honesto que só quer assistir a um jogo de futebol, tomando uma cerveja gelada.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024