• Colunistas

    Tuesday, 30-Apr-2024 10:21:08 -03
    Mariliz Pereira Jorge

    O brasileiro é careta

    21/09/2017 02h00

    Ernesto Rodrigues - 8.jul.2014/Folhapress
    SÃO PAULO - SP - BRASIL - 08-07-2014: Torcedores acompanham jogo entre Brasil x Alemanha valido pela copa do mundo 2014, quartas de final, na Fan Fest do vale do Anhangabau na capital paulista Foto toercedores comemoram gol da argentina feito jogador Di Maria. (Foto: Ernesto Rodrigues/Folhapress,ESPORTE).
    "A gente fica histérico porque a Lady Gaga não vem, mas não lemos um único livro durante o ano inteiro"

    A gente quer acreditar que o Brasil é um país moderno, globalizado, antenado às tendências que desenham o mundo como um lugar mais inclusivo, tolerante e plural. Não somos. Somos um país careta, cheio de candinhas preocupadas e ofendidas com o comportamento alheio, munidas de uma arma imbatível nessa batalha: ignorância.

    Somos um país tacanho. Sempre fomos. O que a maioria chama de retrocesso deveríamos encarar como choque de realidade. Todas as mudanças que temos vivido miram o público progressista e dão de cara com conservadorismo raiz. E ficou ainda pior nos últimos anos, segundo uma pesquisa feita pelo Ibope, que criou um índice para medir a caretice do nosso povo. Tem disso. A gente quer bandido morto, mulher que faz aborto morta, gente presa para sempre, de preferência cada vez mais cedo.

    Os dados foram divulgados no fim de 2016 e o resultado é uma comparação com o Brasil de 2010. Lá atrás, 78% das pessoas eram contra o aborto, mesmo índice de agora. O apoio à pena de morte subiu de 31% para 49%. E mais gente quer que a maioridade penal seja reduzida. Eram 63%, agora são 78%.

    O único dado positivo é a aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo que cresceu de 25% para 42%, segundo os dados da mesma pesquisa. Os gays saíram do armário para nunca mais voltar.

    Na escala sugerida pelo instituto, 54% dos entrevistados atingiram um alto grau de conservadorismo. E isso vai desde o taxista tiozinho evangélico ao advogado doutor que derrete o cérebro com MDMA em Mikonos. Não importa a idade ou a classe social, a única coisa que realmente influencia de forma ainda mais negativa o grau da tacanhice é a religião.

    Por que não dá para ficar surpreso?

    Somos um país sem educação, em que as pessoas saem da escola semianalfabetas, quase ninguém tem capacidade para interpretar um texto. Inclusive muitos que têm dinheiro para assinar um jornal. Não temos cultura. Metade das pessoas nunca foi ao cinema ou ao teatro. Nem 10% frequentam museus –mas querem discutir o que é arte ou não.

    A gente fica histérico porque a Lady Gaga não vem, mas não lemos um único livro durante o ano inteiro. O brasileiro quer comer churrasco no fim de semana, beber cerveja de latão e ouvir música ruim. Os que têm dinheiro vão cinco vezes por ano para Miami, direto para o outlet. Ou sonham em morar no Uruguai para fumar maconha controlada pelo Estado. É tosquice da direita à esquerda.

    Somos preconceituosos e intolerantes. A mesma pessoa que posta fotos de gatinhos fofinhos, manda correntes do bem e novenas de oração, entra na minha página e manda um "morra, sua vaca" quando me posiciono a favor da descriminalização do aborto. Os mesmos que postam #prayformexico pregam a expulsão de mendigos das suas calçadas limpinhas em seus bairros elegantes.

    Somos cafonas. A gente copia tudo o que os outros fazem. Não temos personalidade para escolher roupa, cabelo, maquiagem. Basta uma ida à boate da moda em qualquer grande cidade ou a um show de música sertaneja no interior para ver todo mundo igual. Nem os homens escapam.

    A gente merece tudo isso. Observe os dois candidatos que lideram as pesquisas para presidente. Dois populistas. Um será preso –mas ainda há quem acredite no seu rosário. O outro é um calhorda que sequer tem plano de governo, mas já chega na corrida amparado por um séquito que venera sua tacanhice perigosa.

    Queremos parecer legais, solidários, engajados. Não somos. Na maior parte do tempo.

    Mas, veja só, nem mesmo essa parede conservadora que vem sendo erguida tijolinho por tijolinho é capaz de barrar mudanças profundas que acontecem no mundo. Pode ser que por aqui tudo demore mais tempo para se estabelecer. Talvez um país tão grande, tão diverso e tão judiado esteja fadado à pobreza intelectual e à tolerância seletiva. Somos o que podemos ser diante da irremediável tragédia em que vivemos.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024