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    Mariliz Pereira Jorge

    Sei coisas horríveis a meu respeito

    26/10/2017 08h14

    Fotolia
    Mulher faz selfie com celular
    Mulher faz selfie com celular

    Imagine se um de seus melhores comparsas de vida resolve entregar os seus podres. E não adianta dizer que sua vida é um livro aberto, porque na hora de contar nossa história, a gente arranca todas as páginas com os capítulos em que parecemos menos decentes e bacanas do que queremos que o mundo acredite.

    Ainda mais agora em tempos de redes sociais em que podemos dar "highlights" apenas nos momentos em que a gente se mostra cheio de empatia, de consciência social, temos opiniões ponderadas, somos engraçadinhos, quando o selfie ficou bom. É tudo verdade. Não acho que a vida das pessoas no Facebook seja uma farsa, são apenas versões editadas de uma realidade com tons bem menos coloridos. Ninguém posta foto passando pano de chão na cozinha ou espremido dentro do metrô às 8h da manhã.

    Mas os amigos sabem de nossos tropeços. E fazem questão de nos lembrar daqueles episódios que a nossa memória limpinha adora esconder em cantinhos escuros do cérebro.

    Os amigos sabem. Eles são as vassouras mentais que adoram cavoucar esses buracos e nos lembrar que somos imperfeitos e, tantas vezes, insuportáveis. A gente posa de alma honesta, mas vive de escorregar, levantar e passar um pano macio para deixar tudo brilhando novamente.

    Canso de enfrentar o espelho e dar de cara com alguém meio deformado quando encaro erros e defeitos. Já cometi vários. Tenho muitos. E não precisa ser nada ilícito ou imoral em doses cavalares, pequenas cagadas, deslizes, julgamentos, servem para dizer quem somos. Ou pelo menos que não somos tão perfeitinhos e bem-intencionados o tempo inteiro como gostamos de posar.

    Se não lembro, não fiz. Se ninguém viu, não aconteceu. É o que a gente prefere. Mas quem tem amigo, tem memória. E antes que tenha alguém para me delatar, resolvi fazer um mea culpa. Quem melhor do que nós mesmos para saber coisas terríveis a nosso respeito?

    Já vasculhei as redes sociais do ex, mandei prints para a best friend e fiz dancinha no meio da sala ao constatar que a vida dele é um tédio. Eu sei, é imaturo, mas não tenho como ignorar como meu estômago sorriu feliz. Já faz tempo, mas faz parte da minha história.

    Usei Facetune em várias fotos do Instagram para parecer novinha. Faço doações para missões humanitárias porque me sinto culpada sempre que pago um rim num vestido. Desejei coisas horríveis para atendentes de telemarketing. Julgo as pessoas pelos posts do Facebook. Não tenho paciência para gente burra. Já fingi orgasmos e dores de cabeça. Sonhei sonhos safados com o melhor amigo de um namorado. Trato bem gente que detesto, depois desejo que se esvaia em diarreia. Julgo as escolhas que amigos fazem e falo mal deles. Para o bem deles, claro.

    Assédio é uma realidade triste, mas ontem mesmo fiquei envaidecida porque um cara olhou para a minha bunda na rua. Virou o pescoço e eu virei o pescoço para checar se ele tinha virado o pescoço. Silencio grupos de família. Ignoro mensagens que recebo, inclusive de gente de quem gosto muito. Já liguei para o trabalho para dizer que estava doente, mas era só coração partido. Já cobicei homem alheio. Só cobicei.

    Vaidade é pecado, mas tô felizona por estar firme e forte rumo ao jeans 38. Jogo papel na privada, quando o lixo tem tampa, porque sinto nojinho. Brigo com meu marido porque ele deixa roupas espalhadas pela casa, mas vivo largando minhas coisas pelo caminho. Faço drama e digo que não sou empregada. Autocrítica zero. E o que fazer com essa péssima mania de beber água direto da garrafa e devolver na geladeira recheada de perdigotos? Sou dessas.

    Muitas vezes sou tão insuportável que nem eu mesma me aguento. Meus amigos sabem, meu marido sabe, agora todo mundo sabe. Que alívio não precisar parecer infalível e limpinha o tempo todo.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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