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    Mariliz Pereira Jorge

    O machismo não acaba porque tiramos dançarinas do futebol

    18/11/2017 02h00

    Marcos Brindicci - 10.fev.2012/Reuters
    Dançarinas do Boca Juniors foram demitidas pelo clube

    O Boca Juniors acabou com a festa da marmanjada. Demitiu Las Boquitas, como são conhecidas as líderes da torcida, que se apresentam nos jogos do time. Muita gente comemorou. Feministas celebraram o fim daquela bobagem. A direção do clube diz que a decisão foi tomada em apoio à campanha "Ni Una a Menos" (Nem Uma a Menos), que luta contra a violência de gênero.

    A intenção é boa, mas na prática a teoria é uma ótima jogada de marketing para a imagem do clube e uma ação pouco eficiente no que se propõe a combater. Além de tirar das mulheres envolvidas o direito de decidir que tipo de atividade querem exercer. Duvido que Las Boquitas estivessem lá por obrigação e que tenham sido consultadas sobre a extinção de seu trabalho.

    Particularmente, acho curioso que em 2017 garotas tenham como ambição ser líderes de torcida, dançarinas de programas de TV, coadjuvando números bobinhos para emprestar colorido às atrações, alimentando uma cultura machista que valoriza a mulher apenas por seus atributos físicos.

    Esse tipo de atividade de animadoras de torcida deveria definhar por falta de interesse das mulheres em rebolar de shortinho para uma plateia predominantemente formada por homens. É o que impactaria as relações e o comportamento masculino. Enquanto não vemos esse tipo de mudança de atitude partir das próprias mulheres, se elas querem fazer parte desse tipo de atividade, deveriam ter o direito de fazer o que bem entendem.

    O mundo não vai deixar de ser machista, violento e desigual porque tiramos de cena dançarinas, acrobatas, que muitas vezes recebem para exercer uma atividade. A diretoria do Boca teria tomado tal decisão para evitar a "objetificação" das mulheres nos estádios.

    Esse tipo de discussão seria válido, se envolvesse apenas as interessadas, mas normalmente é pautado por pequenos grupos que pretendem definir quando o corpo da mulher é objetificado ou não e quando isso precisa ser combatido.

    Vale para modelos em comerciais de produtos, prostitutas, líderes de torcida ou qualquer mulher que seja vista como ingênua e vulnerável. Por isso, se colocariam numa situação como essas e não por sua livre e espontânea vontade e assim se tornariam alvo fácil para serem explorada, abusada, estuprada.

    O tema serve muito para textão de Facebook e pouco para, de fato, diminuir o machismo do mundo. É o mesmo que dizer que mulheres são exploradas e violentadas por exercerem atividades que incitam os homens a agirem de tal forma. É colocar a culpa na mulher pela violência que ela sofre.

    A campanha Ni Una a Menos surgiu na Argentina em 2015 quando uma garota de 14 anos foi morta a pauladas pelo namorado de 16. Ela estava grávida. No ano seguinte, o movimento ganhou o mundo depois que outra adolescente de 16 anos foi brutalmente assassinada, depois de ser violentada e empalada, por dois homens. Esse machismo que mata não será combatido porque acabamos com a diversão de um grupo de garotas que faz acrobacias antes de um jogo de bola.

    As mulheres ainda são minoria nas torcidas, na gestão e na imprensa esportiva, têm menos incentivos quando atletas, e a medida do Boca, que pode criar uma tendência, apenas diminui ainda mais a presença feminina nos estádios. Nenhuma vantagem.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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