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    Mariliz Pereira Jorge

    Como os jovens são chatos

    07/12/2017 18h44

    Tenho uma notícia para esse povo que nasceu na década de 1990, está às voltas com seus trinta anos e descobriu que a vida é dura. A vida é dura. Sempre foi. Apesar de vocês terem se convencido de que vieram ao mundo a passeio e que há um complô para atrapalhar a jornada na terra dessa geração mimimi, ops, millennials.

    Esse pessoal passa boa parte da vida reclamando, sentindo-se injustiçado, sobrecarregado, incompreendido. Ora reclama que não tem emprego, aquele dos sonhos, aquele que ficou esperando que um rebento dessa década tão gloriosa, finalmente atingisse a tenra adultice para ocupar o que lhe estava predestinado: uma vaga na qual trabalhe pouco, ganhe muito e transforme o mundo, o que vai lhe dar satisfação pessoal. Porque não basta pagar as contas, tem que sentir-se realizado. Mesmo sem experiência. Já no primeiro ano de trabalho.

    Tem também aqueles que trabalham bastante e não têm tempo para flanar pela vida, o que tinham em mente quando faziam planos de conquistar o mundo, mas tudo o que gostariam na verdade era conquistar uma vida boa sem fazer muito esforço. Lamento informar mas vencer na vida sem ralar está em falta no mercado.

    Sei que vai ser difícil, mas você vai ter que encarar a realidade. Ela é pão com ovo e não steak tartare com vinho rosé. Não tem bolo vegano regado à combuchá, sem antes amargar muito Miojo. Até porque Miojo tem seu valor. Algumas das melhores lições da vida a gente pode aprender quando só tem isso na despensa.

    Na maior parte do tempo as coisas dão errado. Mesmo que você tenha planejado tudo direitinho e papai e mamãe tenham dito que você poderia ser tudo que quisesse. Mentira. Você vai trabalhar muito, ganhar pouco, ter chefes que não reconhecem o pequeno gênio evoluído e talentoso que habita seu ser.

    Se tudo der certo e aos 30 você tiver feito doutorado e ganhar 15º salário, carro e bônus, é muito possível que não tenha tempo para aproveitar todo esse sucesso, nem o dinheiro que ganha. Eu já disse que a vida é dura? É uma conspiração do mundo capitalista e opressor desde que o mundo é mundo, não é culpa do Bug do Milênio.

    E quando a luz de Shiva iluminar essa cabecinha brilhante e você resolver largar tudo para viajar de mochila pelo mundo ou viver numa comunidade sustentável, saiba que os hippies fazem isso desde os anos 1960. Eu abandonei emprego, casa, namorado, lá no começo dos anos 2000, mas a única pretensão era viver a vida adoidada em euros, namorar velejadores noruegueses, surfistas australianos e tomar muitas bebidas cor-de-rosa nas praias tailandesas. Então, so sorry, você não é especial, tampouco criativo e muito menos desapegado. A gente sabe que quando o bicho pega você volta correndo para aquele emprego maçante, que impede que exerça toda sua criatividade, mas que paga o aluguel e as viagens para Boipeba e para o Burning Man.

    Parabéns, se você faz segunda-feira sem carne, separa o lixo, usa ecobags e coletor menstrual, se escolheu o seu prédio porque tem reaproveitamento da água da chuva. Desculpaí por decepcioná-lo, mas essa tendência tem duas décadas, hoje é tão mainstream que o mundo já está cheio de hipster velho. O nome disso é consciência coletiva e não iluminação divina.

    E, peloamordedeus, pare de dizer que as relações estão líquidas, efêmeras, que ninguém se envolve, que não querem nada sério. Meusamor, sempre foi assim. Na verdade, está muito melhor. Felizmente, não é preciso mais casar para sair de casa, casar para transar, transar com medo de engravidar ou pegar uma DST. A gente pode ter orgasmos sem esperar promessa de amor eterno e sem se adicionar no Facebook. Tudo bem. Não precisamos mais casar, ter filhos, árvore de Natal, para cumprir a agenda da família feliz. Sim, você talvez seja cobrado, mas, veja só que maravilha, pode apenas ignorar e seguir com sua vida. Não significa que seja transgressor e muito menos que precisa fazer textão para mostrar superioridade.

    O jovem de hoje parece chegar ao mundo em crise, desembarca na vida com uma fatura pronta, grudada à placenta. Assim que aprende a falar, começa a apresentar as cobranças. Você pode achar que é engajado, que tem consciência social, que o mundo deveria ser diferente, que os adultos até hoje fizeram tudo errado. Não se engane, você é só pretensioso e muito chato.

    mariliz pereira jorge

    É jornalista e roteirista.
    Escreve às quintas e sábados.

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