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    Marina Silva

    Brasil lá e cá

    10/05/2013 03h30

    A eleição do brasileiro Roberto Azevêdo para a OMC desperta muitas expectativas. Mesmo com poder limitado e os rumos da organização definidos pelos países ricos, a direção de um país emergente é vista como uma renovação necessária e urgente, num momento de crise e paralisia dos órgãos de governança global.

    Atribui-se à crise econômica o travamento das negociações internacionais, não apenas na agenda comercial --a Rodada de Doha--, mas também na superação da miséria e até no enfrentamento das mudanças climáticas.

    Mas a crise não justifica tudo, apenas revela que a inoperância dos governos vem da sua incapacidade de liderar processos complexos num mundo em transformação. Refugiam-se em protecionismos e acordos bilaterais. Para usar uma metáfora que tenho ouvido dos mais jovens, são governos analógicos num mundo digital.

    Vejamos questões centrais nos impasses da OMC, como os subsídios à agricultura nos países desenvolvidos e as dificuldades dos emergentes em abrir setores de serviço e compras governamentais. Em cada país há disputas de interesses específicos, com variados graus de influência política, e as posições externas refletem contradições internas.

    É o caso do Brasil: nos últimos anos, vimos um reforço político à tendência de aprofundar nossa inserção internacional com o fornecimento de alimentos e minérios, quase abdicando da capacidade de crescer em conhecimento e inovação. Ou seja, exportamos basicamente recursos naturais.

    A isso corresponde o retrocesso na política interna, que passa o trator sobre os direitos das comunidades tradicionais e desregula a gestão do patrimônio ambiental. Como pode o Brasil assumir posições avançadas nas questões em que o comércio internacional defronta-se com mudanças climáticas, energias renováveis, florestas e direitos dos povos?

    Todos queremos o Brasil na liderança dos organismos internacionais, mas a pergunta é: qual diferença e avanço os brasileiros trazem? No caso da OMC, como atualizá-la para tratar as interfaces do comércio com a gestão financeira, a tecnologia, as questões socioambientais? Como o novo diretor-geral tratará os critérios de sustentabilidade que devem orientar o comércio internacional?

    Temos um bom sinal: ele chefiou os negociadores brasileiros numa grande vitória na OMC, quando a lei brasileira que restringe a importação de pneus reformados foi questionada pela União Europeia. E já declarou interesse em incorporar novos temas ao debate.

    Esperemos que seja indicativo de suas convicções e da capacidade de ajudar o Brasil a superar a contradição entre imagem externa e política interna para, assim, construir relações internacionais adequadas aos desafios e mudanças do mundo.

    marina silva

    Escreveu até junho de 2014

    Ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Foi candidata a vice-presidente na chapa de Eduardo Campos, do PSB, em 2014.

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