• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 07:06:30 -03
    Marina Silva

    Imagens do horror

    10/01/2014 03h00

    O que os olhos não veem, o coração não sente. Seguindo o dito popular, o Brasil pretendeu não sentir a dor que acumulava em suas penitenciárias. Hoje a realidade salta aos olhos em contraste com a Copa do Mundo e outros eventos em que o país se expõe na vitrine internacional.

    São cerca de 550 mil presos, grande parte em condições terríveis: amontoadas, sob temperaturas que superam os 50 graus, sem água e circulação de ar, entre fezes e ratos. O ministro da Justiça, em novembro de 2012, disse que preferia morrer a cumprir pena em lugares assim. Já era titular da pasta há dois anos. Outro ano se passou desde aquela afirmação pública corajosa, mas preocupante, por não ser acompanhada de ações correspondentes à magnitude do drama. As prisões continuam sendo "sucursais do inferno" e "escolas do crime", expressões da falência do sistema.

    Agora novas crises nos Estados mobilizam a opinião pública e a dramaturgia política repete a cena já conhecida: o governo se cala, a oposição grita. Será porque a crise mais evidente está no Maranhão, dirigido por aliados incômodos de uns e adversários cômodos de outros?

    Não podemos deixar que se naturalize a insensibilidade na visão de que o Maranhão é assim mesmo e não tem jeito. De fato, o drama local é antigo. Circula na internet o filme de Glauber Rocha feito na posse de José Sarney como governador em 1966. Criticado na época, o genial cineasta é hoje saudado pelo contraste entre as imagens duras da realidade social e um discurso desprovido de ação efetiva para mudar a realidade, que só se agrava 50 anos depois.

    Mas não é só no Maranhão, e as responsabilidades envolvem Estados e União, Executivo e Judiciário –e também o Legislativo, cuja função é fiscalizar.

    A população carcerária cresce rapidamente: em 20 anos passou de 140 mil presos para mais de meio milhão. A maioria é pobre e tem baixa escolaridade, 65% são negros. Tuberculose e outras doenças contagiosas, inclusive sexualmente transmissíveis, afetam mais da metade.

    Dois terços cumprem pena por crimes contra o patrimônio ou tráfico; cerca de 12%, por homicídios. Essa é uma grande distorção. Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil e apenas 8% dos casos são investigados com êxito. Gastamos R$ 1.500/mês para enjaular as pessoas e devolvê-las piores à sociedade.

    As conclusões são óbvias: é preciso transformar o sistema de segurança e Justiça criminal em seu conjunto, não basta repassar verbas e jogar água no mesmo moinho.
    E, atenção: esgotou-se o tempo das platitudes. A tarefa requer a ousadia e a urgência de um pacto nacional.

    marina silva

    Escreveu até junho de 2014

    Ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Foi candidata a vice-presidente na chapa de Eduardo Campos, do PSB, em 2014.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024