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    Mario Mesquita

    Risco político doméstico arrefeceu

    22/08/2012 03h00

    Dez anos atrás, questionamentos sobre riscos políticos no Brasil eram frequentes, na interlocução entre os analistas de mercado e os investidores. Tais riscos referiam-se tanto a recorrentes iniciativas no Congresso que punham em risco a estabilidade fiscal quanto à eleição de candidatos tidos como descompromissados com a racionalidade macroeconômica.

    Atualmente, a percepção de risco político doméstico arrefeceu, ainda que de uns tempos para cá a volúpia parlamentar pela expansão de gastos, sem contrapartida na evolução das receitas esperadas, tenha crescido. Esse é tema a monitorar, mas não parece ser no momento a maior fonte de risco político.

    No ambiente externo, por outro lado, há riscos políticos em abundância.

    Os maiores riscos políticos estão na Europa. Riscos políticos existem tanto nos países devedores quanto nos credores. É clara a erosão do apoio da opinião pública alemã aos pacotes de socorro à periferia. Na Espanha, o primeiro-ministro parece inclinado a pedir auxílio externo, mas teme o custo político da formalização de apoio do FMI. Na Itália, o galante ex-chefe de governo tenta emergir das sombras (e dos processos) com uma plataforma que cheira a populismo macroeconômico.

    A situação europeia tem mais drama (que deve retornar quando os políticos e investidores voltarem da praia, no mês que vem), mas o risco político nos EUA é também muito importante -aqui, trata-se do chamado "abismo fiscal".

    O termo refere-se ao ajuste primário equivalente a cerca de 4% do PIB que ocorrerá, de forma instantânea, na virada do ano, a menos que democratas e republicanos no Congresso cheguem a um acordo.

    Obviamente, um ajuste instantâneo de 4% do PIB jogaria a economia americana de novo em recessão e comprometeria a já combalida saúde da retomada global -de fato, a mera perspectiva do abismo fiscal já pode estar exercendo efeitos negativos sobre a demanda nos EUA.

    O problema é que acordos bipartidários nos EUA têm se mostrado muito difíceis em situações normais e podem ser impossíveis em um ano eleitoral, depois de uma campanha que tende a ser competitiva e abrasiva. Há a expectativa, ou esperança, de que um acordo seja firmado no período pós-eleitoral, mas isso iria requerer um forte esforço de reconciliação, em um espaço de tempo exíguo.

    Outro risco (geo)político refere-se à situação do Oriente Médio. Além dos desdobramentos da guerra civil na Síria, a tensão entre Israel e Irã vem se mantendo elevada há meses, e a tese de uma ação militar israelense contra o programa nuclear iraniano é tema recorrente entre os analistas da região.

    Fontes do setor de segurança israelense, citadas na imprensa internacional, mencionaram que o conflito com o Irã poderia durar um mês -mas guerras são eventos inerentemente incertos. Há aqueles que argumentam que os EUA estariam exercendo pressão sobre Israel para não agir agora, de forma a não comprometer a recuperação global, mas as lideranças israelenses são independentes e agirão caso concluam que a ameaça iraniana chegou a níveis existenciais.

    Evidentemente, caso passemos de uma guerra fria às vias de fato, o impacto sobre o mercado de petróleo seria severo e poderia ter efeitos tanto recessivos quanto inflacionários.

    A Ásia é fonte de diversos riscos políticos. Em primeiro lugar, ao contrário da Europa, nessa região as feridas abertas pela Segunda Guerra Mundial ainda não cicatrizaram. A rivalidade sino-japonesa frequentemente vem à tona, recentemente associada a questões de soberania sobre ilhotas que, aparentemente, podem estar localizadas em área rica em recursos energéticos.
    Mas não é só isso. O regime norte-coreano já mostrou que prefere gastar com armas de destruição em massa a prover as necessidades básicas da população e sempre pode ocasionar surpresas negativas.

    A Índia, por sua vez, tem disputa fronteiriça com a China, um conflito que degenerou em guerra (com vitória chinesa) nos anos 1960.

    Em suma, os investidores devem seguir preocupados com os riscos políticos, em especial os externos, que podem anular os efeitos de fatores como o ambiente de baixos juros, que, em tese, favoreceriam a alta dos preços de ativos brasileiros.

    Mario Mesquita

    Escreveu até agosto de 2012

    É doutor em economia pela Universidade de Oxford, ex-diretor de Política Econômica do BC e ex-diretor setorial de economia da Febraban.

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