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    Mario Sergio Conti

    Criaturas do pântano

    15/12/2015 02h00

    Amanhã a crise nacional deverá entrar em banho-maria. Naquilo que a Central Única dos Trabalhadores chamou de a "maior união da esquerda desde a era Collor", os suspeitos de sempre convocaram manifestações em prol da permanência da presidente. Serão as últimas do ano.

    A mobilização da quarta-feira será uma réplica aos protestos de domingo último. Eles entusiasmaram poucos, mas estão longe de terem sido pífios, como disseram governistas. Pelo bom motivo que foram mais robustos do que todas as manifestações que a nebulosa situacionista logrou organizar até agora.

    Com a proximidade do Natal e do fim de ano, bem como o início das férias de verão, as manifestações tenderão a arrefecer, haja ou não recesso. O que predominará, então, serão as tratativas das criaturas do pântano –os políticos profissionais e a casta dos parlamentares. Eles terão que responder a fatos do passado, do presente e do futuro.

    Do passado: figuras oriundas do brejo collorido ainda dão as cartas no Parlamento que decidirá o impeachment, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, presidentes da Câmara e do Senado, ambos implicados na Lava Jato.
    Do presente: governo e a oposição continuarão tendo que se haver com delações premiadas dos detidos em Curitiba e com as investigações de procuradores e da Polícia Federal.

    Do futuro: a única coisa que se tem como certo é que a situação econômica se deteriorará.

    No Planalto e adjacências, o fundo do pântano parece de areia movediça. Às tontas, o governo se move segundo as elucubrações da chusma de marqueteiros que o rodeia. Já o Partido dos Trabalhadores, nem isso: responde aos fatos com uma algaravia atordoante.

    Depois de muita hesitação, PT e governo deslizaram da política para a moral. Desdizendo o que afirmavam dias antes, passaram a comparar Dilma com quem é, na prática, o seu algoz, Eduardo Cunha. Enxergam na presidente, a despeito da sua falta de carisma, reservas de integridade que seriam suficientes para barrar o impeachment.

    Na oposição, PMDB e PSDB caminharam nas últimas semanas no sentido da unificação: querem a destituição da presidente. Mas os motivos que invocam para tanto, as pedaladas fiscais, por serem de difícil compreensão, são tidos por artificiais. A permanência de Cunha na presidência da Câmara, igualmente, não ajuda a causa do impeachment.

    As medidas econômicas que os partidos oposicionistas oferecem, por fim, não se distinguem das do governo. Tanto é assim que, na manifestação de domingo na Avenida Paulista, segundo o Datafolha, só 19% dos presentes achavam que um eventual governo de Michel Temer será bom ou ótimo.

    O que prepondera é a ambição do PSDB e do PMDB em se assenhorar Planalto. Para abocanhar o Estado e indicar os seus gerentes. Para conseguir mais daquilo que, desconfia-se, veio à tona na Lava Jato: apadrinhamento, nomeações, tráfico de influência, negócios nebulosos.

    Mas até Eduardo Cunha sair, e as manifestações voltarem às ruas, haverá um interregno. Abriu-se uma janela de oportunidade para os profissionais da política, tanto os da situação como da oposição.

    Talvez seja a sua última chance. Porque a pacificação social, prometida tanto por Fernando Henrique Cardoso quanto por Lula, fracassou. A emergência do novo está nas mãos do mundo velho.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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