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    Mario Sergio Conti

    Fim de feira

    23/02/2016 02h00

    Quando o relógio bate 13 vezes, ele não anuncia a aurora de uma nova era. Significa apenas que está quebrado. A decretação da prisão de João Santana é sinal de que o cuco do marketing não serve mais para marcar a hora da política.

    O tique-taque começou na campanha de Fernando Collor ao Planalto, a primeira a usar recursos de propaganda dos países centrais. Deu no que deu, mas a mercadologia mercantil só fez crescer. Empresários e políticos se cercaram de uma chusma de consultores. Caixas um, dois e três ficaram abarrotados.

    A primeira trinca na tapeação se deu em 2005, numa Comissão Parlamentar de Inquérito. Foi quando Duda Mendonça admitiu que o PT lhe pagou parte da campanha de Lula com depósitos no exterior, ocultados do Fisco. Mesmo assim, o conluio entre candidatos e propagandistas seguiu o seu curso, impávido.

    Com a derrocada de Mendonça, Santana assumiu o comando da segunda campanha de Lula e das duas vitórias de Dilma. Disputado a tapa, foi contratado por candidatos na África, na América do Sul e no Caribe. Entregava o que prometia: elegeu oito presidentes.

    Jornalista que largara o ofício por "não dar camisa a ninguém", ele entrou em Eldorado. Só do PT, recebeu R$ 158 milhões, oficiais e declarados. Virou um misto de guru e ninja, sem abandonar os modos afáveis e o dry martini antes do jantar.

    O seu relógio começou a atrasar na tarde de 6 de junho de 2013, na frente do Teatro Municipal de São Paulo. Houve ali uma manifestação corriqueira contra o aumento das passagens de ônibus. Em poucos dias, porém, ela virou uma insurgência nacional.

    Ruíram não apenas os estádios à la Coliseu, erigidos para honra e lucro da santa aliança de imperadores e empreiteiros. Entrou em pane a política do pão (Bolsa Família) e circo (Copa e Olimpíadas). Com isso, a revolta pegou em cheio o marketing vicioso de governos que sucatearam hospitais, escolas e metrôs.

    O canto de cisne foi a última campanha de Dilma. A partir daí, Santana, que pouco falava em público, ficou cada vez mais silencioso. Seu nome surgiu nas investigações da Lava Jato e ele quase não se explicou –atitude bizarra para quem ganha a vida explicando a vida dos outros, os candidatos.

    Reza a lenda árabe que todo acusado é inocente até prova em contrário. Na prática, contudo, Duda Mendonça nunca voltou a ser quem era, apesar de ter sido absolvido pelo Supremo.

    Igualmente, Petrobras, Odebrecht, Andrade Gutierrez e OAS não serão mais multinacionais, como ambicionavam, apesar de os seus donos e dirigentes terem sido meliantes, e não os seus funcionários.

    No auge da fama, Santana publicou um romance, "Aquele sol negro azulado". Embora tenha saído no Brasil, na Argentina e em Angola, ele só fez sucesso entre os clientes do autor: cinco governadores foram à noite de autógrafos em Salvador. Também, pudera: nem Carlos Zéfiro apreciaria imagens como "seus dias pareciam bananeiras repletas de cachos de orgasmos".

    O melhor do livro são as epígrafes. Uma, de Dickens, que fala do "inverno do desespero", cabe bem ao Santana com prisão decretada. Seria bom que a outra epígrafe, de Dryden, servisse para acertar o relógio no fim de feira ora em curso, no qual vira-latas disputam a xepa com mendigos:

    "Enfim está no fim a era velha,
    Pois é tempo de uma nova hora".

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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