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    Mario Sergio Conti

    A visita da velha senhora

    05/04/2016 02h00

    Depois de décadas da lenga-lenga que o Brasil é um primor de harmonia, pacata família na qual todos se entendem, eis que a velha senhora dá o ar da sua graça. Está mudada, mas os gestos ríspidos são inconfundíveis. Entrou sem pedir licença e, colérica, sapateia na sala. A luta de classes está de volta.

    Julgou-se que, de tão reconfiguradas, as classes em conflito não seriam mais o motor da história. O choque entre elas não faria nexo numa nação que se reformava de maneira pacífica, ainda que a passo de jabuti. A pedra filosofal era a Presidência popular (mas respeitadora, nhô sim) que afagava ricos, remediados e ralé.

    Eis que, em colapso econômico, a sociedade deixa de produzir o suficiente para gregos e troianos. As classes ficam cônscias de seus interesses e tentam tomar o quinhão de outras classes. O equilíbrio se rompe e a anciã irrompe. O arranca-rabo se dá na política. Busca-se o poder de Estado, que organiza a divisão daquilo que o trabalho produz.

    De um lado, colocaram-se as federações das indústrias paulista e carioca, a Confederação Nacional da Indústria, associações comerciais de todos os tamanhos e um sem-número de aparelhos patronais. Falta a Federação dos Bancos, mas Roberto Setúbal já deu a linha justa.

    Dias depois da grande manifestação contra o governo, o dono do Itaú, o maior banco privado em depósitos, cobrou a participação dos estudantes numa palestra na USP: "Não vi vocês na avenida Paulista no domingo. Havia muito pouco estudante, o que é frustrante" ("Valor", 17 de março).

    A fronda burguesa tem como estandarte o pato com horror a impostos. Fofinho, ele é a sereia da Fiesp para atrair a classe média, em cujas fileiras se crê que o Estado é aparelhado pelo PT e por –que horror– trabalhadores, e ainda por cima, petistas. Também desconfia que os impostos sustentem os "vagabundos" do Bolsa Família.

    Do outro lado, estão os suspeitos de sempre. São sindicatos de trabalhadores, funcionários públicos, setores da pequena burguesia, os sem eira nem beira de vários matizes. Em que pese a mobilização diária de uns e outros e o espaço exíguo para neutralidade, a parada não está decidida.

    Como sói ocorrer quando a alquebrada senhora surge, a linguagem do passado ressurge e se abandona o acessório. Do passado veio a palavra "golpe", que pertence ao vocabulário de 1964. A corrupção virou ornamento dispensável: Eduardo Cunha e Renan Calheiros conduzem o impeachment no Parlamento.

    Cada lado tem o seu quartel. No das classes abastadas, sobra grana e falta líder. Aécio e os tucanos foram postos para correr do ato do dia 13; Temer e o PMDB não inspiram nem unem; Marina e sua Rede são opacas; Moro não tem pinta de Bonaparte.

    As classes subalternas têm Lula, Dilma e o PT, mas os três oscilam. Depois de levado para depor, Lula disse que daria combate aos inimigos ("pão, pão; queijo, queijo"). Passaram-se uns dias e avisou que buscaria um acordo com eles ("virei outra vez o Lulinha paz e amor"). Dilma cedeu os anéis para manter os dedos e enaltece sua retidão pessoal.

    O povo trabalhador está ressabiado. Acompanha o zigue-zague de Lula. Viu Dilma prometer na campanha que zelaria por ele e, eleita, que passou a falar em reajuste, reforma da Previdência e impostos transitórios. Está careca de saber que parte da direção do PT se corrompeu.

    A velha senhora é uma visita que não vai embora.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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