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    Mario Sergio Conti

    Pororoca de extravagâncias

    10/05/2016 02h00

    A crise do governo de Dilma é produto de um conflito comprido e conturbado, no qual o Executivo, o Legislativo e o Judiciário tiveram que se haver com agitações de massa e com o consequente tremor dos bunkers onde vivem.

    Até a responsabilidade dos indivíduos foi ofuscada, o que é raro num país de política fulanizada. As pessoas, porém, teimam em existir e agir. Tanto que eis aí Waldir Maranhão. Até anteontem, um zé-ninguém. Ontem, virou alvo do vitupério dos pais da pátria.

    O deputado, relembre-se, votou contra a destituição de Dilma. Os guardiões das virtudes republicanas deram de barato que esqueceria o assunto assim que assumisse a presidência da Câmara. Deram-se mal, os barões. Por soberba.

    Não imaginaram que Maranhão pudesse agir como eles próprios vêm fazendo há meses: torcendo regras e leis; improvisando de maneira grotesca; atropelando argumentos e ritos; almejando ganhar no grito, ou no tapetão.

    É longa a lista dos que contribuíram para instituir o vale-tudo em vigor. Em ordem alfabética, o primeiro nome no rol dos criadores de corvos é Aécio. O último, Zavascki.

    Aécio entrou em ação dias depois de derrotado nas urnas. Apesar da diferença numérica insofismável, e das campanhas dele e Dilma terem tido os mesmíssimos financiadores, decretou que o poder dela era ilegítimo.

    Ato contínuo, o PSDB acionou a Justiça eleitoral e votou contra a responsabilidade fiscal, que os próprios tucanos instituíram. Havia o interesse particular de Aécio: se a dupla Dilma-Temer fosse a pique, haveria novas eleições, nas quais acreditava ter boas chances.

    Havia também o interesse de fundo do estamento que o senador representa: inviabilizar o PT em 2018. Se Dilma fizesse um governo apenas razoável, era corrente entre tucanos e empresários o prognóstico que Lula lhe sucederia por quatro anos, talvez oito.

    Era tempo demais, apesar da brandura do PT. Seria preciso barrá-lo a todo custo. Numa ironia da história, o custo foi o naufrágio da candidatura de Aécio, devido ao fiasco do recurso à Justiça eleitoral e ao surgimento de seu nome nas bocas da Lava Jato.

    O nome de Eduardo Cunha reluz na lista dos que têm por divisa "se colar, colou". Como controlava a Câmara, a abertura do impeachment não seria aprovada se não quisesse. Cunha quis e se deu mal, também por soberba.

    Ele não imaginou que houvesse articulação entre os pró-impedimento. A articulação, que não só existe como é firme e forte, o pôs para fora do parlamento assim que fez o trabalho sujo. Não pegava bem que o santo homem tivesse encomendado a alma de Dilma.

    O segundo trabalho sujo, agora em prol do decoro, coube a Teori Zavascki. O ministro foi incumbido em dezembro de dar um parecer sobre as artimanhas de Cunha. Escondendo o jogo, aguardou quatro meses até que o impeachment e o deputado estivessem alinhados. Saiu da sinuca e, de uma só tacada, encaçapou os dois. Foi um Rui Chapéu do Direito.

    O arrazoado de Zavascki é uma pororoca de extravagâncias. Depois de 73 páginas de confusões deliberadas, ele conclui que a situação é "extraordinária, excepcional" e, portanto, a sua decisão "pontual e individualizada" não tem "assento constitucional".

    Traduzindo: o afastamento de Cunha, arbitrário e inconstitucional, não pode criar jurisprudência. E não é que essa geringonça foi aprovada por unanimidade pelo Supremo? Depois reclamam de Waldir Maranhão.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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