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    Mario Sergio Conti

    Hegel derruba Jucá

    24/05/2016 02h00

    Sapo ensaboado a saltitar no pântano da política, Romero Jucá serviu a ditadura, Sarney, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. O segredo de se dar bem foi a sua discrição em obter pequenos cargos e grandes negócios. Fez uma carreira modelar sem articular uma mísera ideia.

    Movia-se o batráquio com maciez pelo brejo até perder o pé e se estatelar. Unicamente por ter tido o desplante de dizer o que de fato pensa, que é preciso frear a Lava Jato. Que Jucá ache isso é óbvio, e não só por estar enterrado até o talo em denúncias de desmandos: toda a casta política pensa o mesmo.

    O enigmático foi ter admitido com candura a intenção de obstruir a Justiça. Como é um conspirador de quatro costados, ele bem sabe que a crapulização da política atingiu um ponto de não retorno. Se grampearam e alardearam um telefonema da presidente a seu antecessor, não havia por que preservar um senador de Roraima.

    Foi um lapso que Freud explica? Não, Hegel explica: "A história ensina que povos e governos nunca aprenderam nada com a história". A frase foi lembrada, na semana passada, no simpósio em homenagem aos 50 anos de contribuição de Emília Viotti da Costa à historiografia nacional.

    Os historiadores presentes não se aborreceram com a contundência da dialética hegeliana, recordada pelo filósofo Paulo Arantes. Ao contrário, todos os palestrantes reconheceram as dificuldades em ligar a queda de Dilma ao curso da história.

    Arantes ensaiou uma descrição do governo interino. Na verdade, são dois governos, sequer inéditos. De um lado, a condução da economia foi terceirizada. Uma vez mais, ela está em mãos de banqueiros, executivos e operadores de rentistas. À plêiade de sumidades cabe enfiar o Brasil no orçamento da União.

    Espirituoso, o filósofo chamou a segunda banda do governo de sindicato de crime. Nele se aboletou a atual fornada de cartolas da Senegâmbia, até ontem encabeçada por Jucá, o Breve. A sua missão é fazer com que a casta política aprove o remédio amargo dos economistas. Só falta quem faça a gororoba descer goela abaixo dos eternamente insatisfeitos.

    Paulo Arantes lembrou o estupor na USP, onde estudava, nos dias que se seguiram à derrubada de Jango. Como o novo governo parecia frágil e atrapalhado, muita gente inteligente avaliou que a sua base social era mambembe, e ele ruiria em breve.

    Os prognósticos róseos são uma especialidade da esquerda. "O 18 Brumário", a primeira e inexcedível análise de um golpe de Estado, descreve as engrenagens do putsch que levou Luís Bonaparte ao poder, em 1851.

    No mesmíssimo livro, disse Arantes, Marx errou feio nas previsões. Escreveu que as contradições do Segundo Império provocariam a sua queda num piscar de olhos –a revolução já podia ser vista no horizonte. E Napoleão 3º caiu quase vinte anos depois.

    Arantes rememorou dois colegas de 1964. O primeiro, mais ligado à literatura, arriscou um palpite na contracorrente do que os politizados achavam: "Isso está com cara que vai durar uns 15, 20 anos". O outro, que era marujo, usou uma expressão do metiê: "Estou desmastreado".

    Se o afastamento de Dilma foi produto de uma articulação extremamente bem concatenada, o governo interino tem sido o contrário. Seus conflitos e recuos se sucedem num ritmo quase diário –o mesmo dos motins pela sua derrubada. A rapidez dos fatos e o tumulto são de deixar Hegel desmastreado.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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