• Colunistas

    Sunday, 28-Apr-2024 16:44:45 -03
    Mario Sergio Conti

    Como D. Pedro 2º, Dilma pecou por apreço aos detalhes e isolamento

    30/08/2016 02h00

    Ueslei Marcelino/Reuters
    Brazil's suspended President Dilma Rousseff attends the final session of debate and voting on Rousseff's impeachment trial in Brasilia, Brazil, August 29, 2016. REUTERS/Ueslei Marcelino ORG XMIT: BRA130
    A presidente afastada Dilma Rousseff durante sua defesa no Senado

    O discurso da presidente foi o melhor desde que foi eleita. Ela foi cortante no geral (o golpe é contra o programa escolhido pelo povo) e no particular (está sendo condenada sem ser criminosa). Pena que a fala tenha vindo tarde.

    A gravidade de suas palavras intimidou as cafajestadas de uns e outros. Mas o grosso do Senado já estava com o dedo no gatilho. Ele é o pelotão de fuzilamento da casta que quer exercer o poder sem ter tido votos. Dilma estará à sua frente. Será um alvo bem particular.

    Ainda que com a oposição bronca de Eduardo Cunha, e com a conspiração de sua corja, daria talvez para ela levar o mandato até o fim. Seria preciso que se empenhasse em cumprir o que dissera ao pedir votos. Menos de um mês depois, porém, entregou a economia a um adversário. Adaptou-se ao diktat de seus inimigos. Não deu explicações a quem a elegeu.

    Dilma é vítima de uma truculência, mas tem uma pesada responsabilidade. À política se somam seus traços pessoais. A prepotência rabugenta, as pedradas verbais em aliados, o teimoso isolamento, o pouco caso com a coerência –o seu perfil contribuiu para que esteja hoje com os olhos vendados e os verdugos lhe mirem a testa.

    Ao analisar a personalidade e a política de Pedro 2º, Sérgio Buarque de Holanda traça o retrato de um governante com algo de abúlico e muito de detalhista. Aqui e ali, parece que o historiador fala não do imperador, mas da presidente.

    "Julga-se desobrigado de apresentar abertamente as razões, más ou boas, que em determinado momento terão orientado os seus atos", escreve Sérgio Buarque em "Capítulos da História do Império". Refere-se também à sua relutância em dialogar aberta e francamente, preferindo guardar distância em relação àqueles "que lhe devem, como rei, alguma sombra de sujeição". Foi o que Dilma fez com o PT.

    A direção do partido lhe pediu que escrevesse uma carta, explicando-se. Pois a presidente demorou três meses para escrever um texto minucioso e vago, sensaborão e inócuo. Nele, defendeu um plebiscito que o PT já havia considerado inviável. No Senado, Dilma não só não defendeu o partido como aposentou a ideia de plebiscito.

    Nas respostas aos senadores, Dilma entregou-se ao que o historiador caracterizou, ao falar do imperador, de "o zelo extremamente prolixo que costumava devotar aos negócios do Estado", além de ser "maldotado no tocante ao poder de expressão oral ou escrita".

    Aplicada e perseverante, várias vezes Dilma se perdeu em decretos, alíneas e contingenciamentos, sem se ocupar do decisivo. Foi essa a marca do seu governo. Não se pode negar, escreve Sérgio Buarque, que o soberano tivesse "escrúpulos estimáveis". Mas: "O discutível é se essa preocupação com tantos pormenores, acerca dos problemas mais vários e mais árduos da administração, representasse ao cabo em benefício real para a boa marcha dos negócios públicos".

    Como D. Pedro 2ª, a presidente acabou malbaratando o poder que teve, usando-o no sentido de "moderar, imobilizar e até quebrantar as reformas mais importantes para a modernização do país".

    Sérgio Buarque foi fundador do PT. Seu filho, num gesto de dignidade e coragem, esteve ao lado de Dilma nesta segunda (29). Por isso mesmo, cabe recordar o fecho do perfil de Pedro 2º feito pelo historiador: "A meticulosa cautela deixa de ser virtude no momento em que passa a ser estorvo: lastro demais para pouca vela".

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024