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    Mario Sergio Conti

    Discurso da austeridade é infantilizador e caipira

    18/10/2016 02h00

    Pedro Ladeira -10.out.2016/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 10-10-2016, 21h00: Deputados da base do governo Temer e o relator da PEC 241, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), comemoram a aprovação da PEC do Teto de Gastos. O presidente da câmara dep. Rodrigo Maia (DEM-RJ) comanda a sessão. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
    Deputados da base do governo Temer comemoram a aprovação da PEC do Teto de Gastos

    Mal rompe a manhã e os tenores da gerontocracia brasiliense gorjeiam a guarânia que o Brasil é uma família, deve gastar só o que ganhou. A charanga do eixo Leblon-Faria Lima repica então que é preciso pôr a casa em ordem. Apertemos o cinto, entoam todos, tenebrosos, todo santo dia.

    Como o país não é apê nas Perdizes, a sua economia não tem nada a ver com a da padoca na esquina, e os brasileiros não são a Fat Family, o discurso da austeridade é infantilizador e caipira. O deficit fiscal virou boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta.

    Contra a mistificação ideológica há agora a imaginação mitológica de "O Minotauro Global" (Autonomia Literária, 300 págs.), livro no qual o touro fabuloso do rei Minos enfrenta o boi que entorpece o pensamento.

    Seu autor, Yanis Varoufakis, analisa a austeridade na teoria e na prática. Porque tem formação (doutorou-se em economia e matemática e foi professor em Cambridge), militância (começou na social-democracia e elegeu-se deputado pelo Syriza) e experiência (foi ministro das Finanças da Grécia).

    Para chegar à austeridade, ele parte da hecatombe de 1929. A seu ver, a grande crise não foi dirimida pelo incremento de obras públicas –o New Deal, nos EUA– e sim pela militarização geral da economia, bem como pela imensa destruição de forças produtivas na 2ª Guerra.

    Ao final do conflito, Keynes propôs na conferência de Bretton Woods a criação de uma moeda internacional para transações financeiras. Foi vencido pelos vencedores da guerra, e o dólar virou a moeda mundial, lastreada pelo ouro. Em 1971, Nixon acabou com a referência ao ouro.

    Surgiu então, sob a égide do dólar solto e do domínio americano, o Minotauro. A besta-fera combina num corpo dois déficits, o comercial e o fiscal. Comercial porque os EUA terceirizaram parte da produção. E fiscal porque o seu orçamento esteve aquém do orçamento do Estado.

    A explicação para o monstrengo está numa rua, Wall Street. Porque, por mais terras que percorra, o capital vai sempre aonde rende mais. E Wall Street criou miríade de produtos financeiros –resseguros, hedges, hipotecas subprime, alavancagens várias.

    Em 2008, esse edifício de dinheiro fictício revelou o seu âmago: papel. Varoufakis mostra que a explosão não se deu porque Wall Street estava desregulada, ou tivesse sido tomada pela ganância. Estourou porque o Minotauro da economia global funciona assim.

    A conta foi encaminhada aos mais fracos –aos países da periferia europeia, que tomaram emprestado dos bancos; aos governos que cevaram déficits para preservar os ganhos dos donos da dívida pública. Austeridade neles.

    O Minotauro significou, aqui, as décadas perdidas da crise da dívida e da hiperinflação. O monstro segue no seu labirinto, impondo sacrifícios e disseminando a crença infantil de que o déficit será contido com decreto.

    O Minotauro Global
    Yanis Varoufakis
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    Varoufakis perdeu a parada para a União Europeia. O Syriza capitulou e ele se demitiu do ministério. Participa agora de coalizão da nova esquerda europeia, que faz propostas para tirar o Velho Mundo do buraco.

    É difícil que a esquerda latino-americana faça algo assim? Que ela se articule e elabore uma opção para o continente? É complicadíssimo. Mas a alternativa é crer nas cantigas de ninar dos austerocratas. Ou esperar um Teseu que, demagogo e oportunista, prometa matar o Minotauro em 2018.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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