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    Mario Sergio Conti

    A Casa de Odebrecht nunca prezou a nação e a democracia

    27/12/2016 02h00

    O Itamaraty fica num dos prédios mais bonitos do Brasil. Traçado, salões, escadas, pisos, mobiliário, quadros, esculturas, murais, jardins, painéis e lustres formam um conjunto ímpar, que harmoniza pensamento e natureza, funcionalidade e arte.

    Percorrê-lo numa tarde silenciosa no final deste ano estridente, no entanto, provoca um travo de angústia. A sensação de malogro se mescla ao alumbramento: o prédio não é a síntese da potência nacional, e sim o seu epitáfio. O choque entre o Brasil sonhado e o presente é aterrador, e não há futuro à vista.

    Desenhado por Niemeyer, o seu cálculo estrutural é do poeta Joaquim Cardozo. Ele deu vida ao saguão sem colunas mais amplo do mundo, o qual foge do monumental, amoldando-se à perspectiva humana.

    Passa-se do exterior ao interior sem perceber. A transição é atenuada por nenúfares e vitórias-régias de Burle Marx. A escada em caracol brota do subsolo e, solta no ar, sobe para o jardim suspenso. A preocupação com o meio ambiente, pioneira, marca a construção.

    No auditório, poltronas de jacarandá coexistem com círculos futuristas na parede, revestidos com plástico-bolha. A consonância entre natureza e trabalho prossegue no mural geométrico de Sérgio Camargo e no mobiliário em madeira de lei de Sergio Rodrigues.

    A melhor arte se faz presente: esculturas de Brecheret e Mary Vieira, mural de Volpi, telas de Weissmann e Iberê Camargo, além de trabalhos de Rugendas e Debret. História e arrojo se complementam. O prédio nada tem de pitoresco (atributo inclusive de nossa melhor literatura).

    Concebido nos anos 50, o Itamaraty foi inaugurado em 1970. Houve outras iniciativas nesse período de o Brasil se dotar de uma cultura, construir uma sociedade aberta. Seminário Marx e Poesia Concreta; Cinema Novo e Reformas de Base; Bossa Nova e Centros Populares de Cultura.

    De maneira tateante, mas progressistas e abertas ao novo, essas iniciativas moldaram aspirações nacionais. E todas elas foram derrotadas pela Casa de Odebrecht. A família ilustre corrompeu a ditadura, a Nova República, o Brasil Novo, o neoliberalismo, o petismo, deu R$ 10 milhões a Temer. Criou um sistema de mando à sua imagem e semelhança.

    Nos folhetos de propaganda, a Casa de Odebrecht se vangloria da origem germânica e oculta ancestrais africanos. Fala em sustentabilidade, ética e ecologia, e compra privilégios com vil metal. Nunca prezou a nação e a democracia, dedicando-se à pilhagem de um povo do qual tem nojo.

    Exagero? Releia-se o e-mail que Isabela mandou ao marido, Marcelo Odebrecht, protestando contra a presença de uma sindicalista na sua casa: "Se sujar minha toalha de linho ou pedir marmitex, vou pirar. Saudações sindicais? Não mereço".

    Uma das dez famílias mais ricas do Brasil, a Casa de Odebrecht foi adulada desde sempre pelos seus pares. Por isso, desfruta de reconhecimento mesmo agora, quando o Departamento de Justiça americano diz que ela perpetrou o "maior caso de suborno da história". O sujeito odeia Lula ou Temer, mas não Emílio Odebrecht.

    Quando a encardida Casa de Odebrecht suplantou o prédio de Niemeyer? Que fim levaram as aspirações nacionais? Qual seria o lugar dos Odebrecht e similares num país justo? São indagações que perpassam o pensamento numa tarde no Itamaraty.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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