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    Mario Sergio Conti

    FHC diz que a corrupção é pior que o caixa dois, mas será mesmo?

    07/03/2017 02h00

    Giovanni Bello - 19.mai.2016/Folhapress
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no Instituto FHC, em São Paulo
    O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no Instituto FHC, em São Paulo

    Um dos gângsteres da Odebrecht disse à Lava Jato que Aécio Neves pediu um dinheirão na campanha de 2014. Solícita, a empreiteira pôs R$ 9 milhões no caixa dois dos tucanos. O senador esclareceu que solicitara uma doação dentro da lei. Pouca gente lhe deu ouvidos.

    Na quinta passada, dia 2, Fernando Henrique Cardoso veio em seu socorro. Numa nota à imprensa, sintetizou a distinção que está em todas as bocas da baixa política:

    "Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção".

    Como a delação da Odebrecht emporcalhará uma penca de políticos, FHC aconselhou separar alhos de bugalhos. Vamos lá, pois. O artigo 317 do Código Penal diz que é corrupção solicitar ou receber vantagem indevida. Em teoria, é simples: o corrupto leva uma grana para beneficiar quem o corrompe.

    Na prática, houve nuances. O Supremo, por exemplo, não condenou Collor por corrupção. Alegou que não ficara caracterizado o "ato de ofício", a ação concreta do presidente para que seu caixa de campanha, Paulo César Farias, recebesse dinheiro e lhe repassasse.

    Anos depois, o mesmo Supremo, mas noutra composição, dispensou o ato de ofício para caracterizar a corrupção. Foi no julgamento do mensalão. José Dirceu ganhou determinada soma, disse o STF, mas não apontou o ato específico que ele cometeu para merecer o dinheiro.

    O caixa dois, por sua vez, é regido pelo artigo 350 do Código Eleitoral. Ele caracteriza como falsidade a omissão de uma informação que deveria constar de um documento público. Em miúdos: o político omite da prestação de contas o dinheiro que entrou pelo caixa dois.

    Voltando a Fernando Henrique. Ele afirma que a corrupção é crime. Já o caixa dois não passa de erro, a ser reparado ou punido. Não é bem assim. A corrupção é de fato crime, punível com 12 anos de prisão. Mas o caixa dois não é erro –é um delito que rende cinco anos de cana.

    Até pela escolha de palavras, Fernando Henrique diz que a corrupção é pior que o caixa dois. Será mesmo? É uma discussão crucial. Porque a deduragem da Odebrecht pode implodir o sistema político criado a partir da primeira queda de Vargas.

    Afora o hiato da ditadura militar (e noves fora a colocação dos comunistas na ilegalidade), os maiores partidos só puderam funcionar porque o poder econômico os financiou. Isso desde 1945.

    Com o passar dos anos, o caixa dois ficou hegemônico. Jatinhos para cupinchas e aspones, programas de televisão onerosíssimos, marqueteiros alugados a peso de ouro, desvios para o bolso dos candidatos ""as campanhas passaram a consumir somas monstruosas.

    Os grandes partidos se refastelaram. O resultado está aí: fraude da vontade popular, preponderância do dinheiro sobre o voto, uma casta de vigaristas no poder, nojo da política, podridão.

    Os partidos agora tentam salvar os seus parlamentares, prefeitos, governadores e os seus presidentes. Buscam preservar os que usaram e abusaram do caixa dois. Ensaiaram uma anistia que, por desastrada, não vingou. Por enquanto.

    Logo, logo, os ratos tentarão outra burla. Estão à cata de justificativas, de um arremedo de ideologia. A distinção feita por Fernando Henrique por certo não lhes passou despercebida.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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