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    Mario Sergio Conti

    O cinema vai à escola

    21/10/2017 02h00

    Bruna Barros/Editoria de Arte/Folhapress

    Os anos na escola não cicatrizam. Há quem nem passe perto de onde estudou, para não reviver a solidão e o tédio nas salas de aula. Já outros não se livram da escola. Chamam-se professores. O aprendizado jaz na memória. Mas basta ver na tela um recreio para que as lembranças voltem.

    Há três filmes sobre a formação escolar em cartaz, vindos de países diferentes. Como se situam no presente, a nostalgia que despertam é marginal. O que eles sugerem é a comparação de como se vive –e se filma– a escola na França, nos Estados Unidos e no Brasil.

    "O Melhor Professor da Minha Vida" integra uma rica estirpe: o filme escolar é todo um gênero na França. Ele começa com a obra-prima "Zero de Conduta", de Vigo, passa por "Ser e Ter", de Philibert, e ganha a Palma de Ouro com "Entre os Muros da Escola", de Cantet.

    A existência precede a essência: os filmes são excelentes porque a escola pública e laica, construída ao longo de séculos, virou viga-mestra da República. "O Melhor Professor" trata justamente das rachaduras nesse pilar do igualitarismo à francesa.

    Seu protagonista é um nariz empinado de um afamado liceu parisiense que, sem querer, vai dar aula numa perifa brava. Ali, só há pobres e negros. Ao contrário de seus alunos da elite, eles o enfrentam. Não têm os bons modos de "Les Misérables", de revolucionários de musical da Broadway.

    Os estudantes são filhos do povo das ex-colônias, explorada até o talo sob o lema "liberdade-igualdade-fraternidade". O professor republicano deve lhes revelar "Os Miseráveis" de fato, os do romance de Victor Hugo. Deve levá-los a Versalhes, quando querem conhecer o parque Asterix.

    Se "O Melhor Professor" coloca questões pertinentes da escola francesa, elas logo são diluídas por uma lenga-lenga que edulcora conflitos e apregoa: só o amor constrói.

    O professor acaba aprendendo lições acerca do sentido da vida. O Virgílio que o guia pelo inferno da periferia é um pirralho rude, que por sua vez vê um amigo no representante da República. O desenlace fica a meio caminho entre a fantasia libertadora e o melodrama barato.

    "A Morte te dá Parabéns" é uma dessas comédias vespertinas da televisão. Seu pressuposto confesso é "Feitiço do Tempo", com Bill Murray: uma aluna de faculdade acorda todas as manhãs no mesmo dia, que se repete indefinidamente.

    À diferença do meteorologista de Murray, a heroína de "Parabéns", além de ser pérfida, é assassinada ao final do dia de seu aniversário. O filme elucida quem mata a estudante, ao mesmo tempo em que registra como a moça má fica boazinha. Moral da história: só a morte constrói.

    Apesar de ambientado num campus, a escola está ausente do filme. Aparecem auditórios, dormitórios e refeitórios. Mas não se sabe nem que curso a moça faz. A escola é apenas cenário para sustos. A vida real se passa alhures.

    Não se acuse desse mal "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", o filme nacional mais depressivo dos últimos anos. À sua maneira torpe, ele mostra um pedaço cada vez maior do Brasil: ressentido, vulgar, bruto e burro.

    "Pior Aluno" fala de um menino que, para passar de ano, arruma um mentor (Danilo Gentili). O guru vive num hotel de luxo, não trabalha, fica na banheira com duas beldades mudas, chantageia e rouba. Ele ensina o pupilo como vencer na vida: trapaceando, agredindo e destruindo a escola.

    É possível ser grosso e ter graça, como Sacha Baron Cohen fez em "Borat". O que é penoso de ver são cenas infindáveis, em close, com fezes e urina, vômito e ranho. Na apoteose do filme, as privadas da escola entram em erupção e os excrementos são despejados num professor.

    Mais nojento que isso só o empenho do filme em provar que a educação é para os fracos. Perto de "Pior Aluno", "Escolinha do Professor Raimundo" é iluminista.

    mario sergio conti

    Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve quinzenalmente aos sábados.

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