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    Marta Suplicy

    Conselho Tutelar

    08/01/2016 02h00

    Não está fácil para ninguém. Os desafios, enfrentamentos, medos, o desconhecimento de um futuro mais incerto do que imaginamos, me fazem lembrar o que deseja uma criança que não tem repertório nem para sonhar. Mas mesmo assim elas sonham. Nem que seja o desejo da mãe se tornando o próprio. Talvez, antes venha o brinquedo, uma bola ou ser Neymar... Mas quantas vezes não vi esta criança pedir uma casa para morar? Não é um pedido "para mim", é "para minha mãe". Penso nessa cena, que ocorreu novamente há alguns meses e fico comovida. Como ficava cada vez que ia a um CEU e ouvia coisas assim: "agora eu não digo mais que moro na favela. Eu moro vizinha ao CEU."

    Penso nessa criança que cresce e não vê saída.

    Os que a puseram no mundo não têm como abrir-lhes oportunidades. Elas são quase inexistentes e a situação de seu país dificilmente lhe abrirá portas. Às vezes, por destino, sorte, um professor dedicado ou um talento excepcional rompe com um futuro que não era promissor, mas nunca está escrito indelevelmente.

    Pode acontecer uma trajetória anunciada, um trabalho vida e morte severina, ou a conquista de uma posição galgada com grande esforço e inteligência. Ou não, quando a busca de melhoria passa pelo desvio da conduta e a trajetória trilhada encurta os anos de vida.

    São muitas as pessoas que se dedicam às crianças. Os governos tentam e fazem o que podem. Fazem pouco. Nossas crianças não são alfabetizadas adequadamente, faltam creches e os adolescentes não se interessam por currículos e escolas que pouco atraem.

    No descarrilar da vida aparece um tio que ajuda, um padre ou pastor que acolhe, um pai que volta, uma professora atenta... Quando não, ainda restaria o Conselho Tutelar para vigiar, fiscalizar a proteção à criança e ao adolescente.

    As pessoas mal se dão conta que, numa cidade como São Paulo, 220 conselheiros podem ser a diferença nas condições de sobrevivência e superação da miséria de inúmeras crianças: salvam vidas, recuperam caminhos, resgatam destinos. Trabalham de forma precária, sem serem valorizados pelo poder público e pela sociedade. Até a legislação que estabelece que a eleição seja realizada no primeiro domingo de outubro subsequente ao ano da eleição presidencial (ECA, art. 139, § 1º) não foi cumprida pela prefeitura.

    Em outubro, devido à desorganização do pleito, o Ministério Público exigiu a anulação do processo para a escolha dos novos conselheiros.

    Mais uma das situações que comprovam frieza e falta de prioridade da atual gestão municipal que se aproxima do final sem entregar o que prometeu à cidade, em especial às crianças que mais precisam.

    marta suplicy

    Escreveu até julho de 2016

    É senadora e ex-prefeita de São Paulo. Foi ministra dos governos Luiz Inácio Lula da Silva (Turismo) e Dilma Rousseff (Cultura).

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