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    Martin Wolf

    Por que Draghi estava certo ao cortar os juros

    13/11/2013 12h02

    A política monetária do Banco Central Europeu (BCE) era apertada demais. Prova disso é que a taxa central de inflação anualizada da zona do euro foi de apenas 0,8% nos 12 meses até outubro de 2013. Os argumentos em favor do relaxamento da política monetária decretado na semana passada eram esmagadores. Na verdade, o relaxamento deveria ter acontecido há muito mais tempo.

    No entanto, vazaram informações de que a decisão de reduzir a taxa de refinanciamento de 0,5% para 0,25% causou um racha no conselho de política monetária. Os dois representantes da Alemanha - Jörg Asmussen, membro do conselho do BCE, e Jens Weidmann, presidente do Bundesbank -, acompanhados pelos presidentes dos bancos centrais da Holanda e Áustria, votaram contra a decisão.

    Já haviam acontecido divisões abertas em linhas nacionais, no passado, mas apenas com relação a programas controversos como o Programa de Mercados de Títulos, lançado na gestão de Jean-Claude Trichet, o predecessor de Draghi no comando do BCE, e o programa de Transações Monetárias Diretas lançado por Draghi na metade do ano passado. As duas iniciativas tinham por objetivo reduzir as pressões de mercado sobre os títulos de dívida pública. Inevitavelmente causariam controvérsias, dada a hostilidade da Alemanha ao financiamento monetário de governos. Mas divisões como essa com relação a uma decisão convencional de política monetária são novidade. E importam: elas colocam em risco a legitimidade do BCE, e com ela a união monetária.

    Houve quem acusasse Draghi de agir em defesa dos interesses da Itália -e as objeções dos representantes alemães ao relaxamento certamente estimularão suspeitas nesse sentido. Mas os argumentos em favor de um corte na taxa padrão de juros do BCE eram, de fato esmagadores: a taxa central de inflação caiu, agora, a menos da metade da meta do BCE, que é de "abaixo de 2% mas próxima dessa marca".

    Como argumentou Draghi, existem motivos convincentes para não aceitar inflação abaixo desse nível. Para começar, uma inflação calculada em 2% pode na verdade ficar perto de zero: no momento, a medição convencional da inflação é quase sempre superior à realidade.

    Segundo, as mudanças de competitividade necessárias na zona do euro seriam difíceis de promover mesmo com inflação de 2%. Com taxa perto de zero, seriam praticamente impossíveis, dada a resistência dos trabalhadores a cortes nominais de salários.

    Terceiro, a política monetária tende a ser menos efetiva quando a inflação se aproxima de zero, em parte porque economias deprimidas podem bem precisar de taxas reais de juros negativas - o que é muito mais fácil de implementar quando a inflação é positiva.

    A esses argumentos, eu acrescentaria um quarto: a zona do euro corre o risco de cair em deflação, dado o excesso de capacidade da indústria e o alto desemprego. O BCE diz que as expectativas de inflação estão ancoradas. É uma previsão arrogante que pode se provar incorreta.

    É fácil identificar outras causas para definir a política monetária como apertada demais. Entre o primeiro trimestre de 2008 e o segundo trimestre de 2013, a demanda nominal da zona do euro se expandiu em apenas 1%. O Produto Interno Bruto (PIB) nominal cresceu em apenas 3,4%. Além disso, a base monetária M3 - um indicador de base monetária "ampla" - está virtualmente estagnada desde o final de 2008.

    Quais, portanto, eram os argumentos contra a decisão da quinta-feira passada? Um deles era o de que a decisão poderia ter sido postergada. Mas ela já vinha sendo postergada há tempo demais. Quanto mais demora, mais perigo. Uma segunda preocupação é que a decisão aproxima as autoridades econômicas ainda mais de medidas heterodoxas. Mas quanto menos o BCE se dispuser a tomar medidas ortodoxas, tanto mais se torna provável que medidas extremas venham a ser necessárias no futuro. Se o BCE tivesse baixado os juros decididamente na direção de zero em 2010, poderia ter evitado ao menos algumas das dificuldades atuais.

    Outra queixa é que as taxas de juros sobre a poupança alemã são baixas demais. Como argumentou Benoît Curé, um dos membros do conselho do BCE, isso não procede. Primeiro, poupanças têm pouco valor durante uma desaceleração profunda, como a que vem acontecendo na zona do euro. Segundo, o principal determinante do retorno sobre a poupança alemã é o rendimento de longo prazo dos títulos do Tesouro alemão, que é hoje de 1,8% para os papéis de 10 anos. Mas é a desaceleração econômica, e o papel da Alemanha como porto seguro, que cria retornos tão baixos. Quanto menos efetivo for o apoio oferecido à economia da zona do euro, mais os títulos alemães servirão de porto seguro, e portanto mais baixo será o retorno das contas de poupança da Alemanha.

    Uma última preocupação é que a política monetária do BCE é inadequada para a Alemanha e pode até causar bolhas nos preços dos ativos. Isso certamente é verdade, da mesma maneira que a política monetária mantida antes de 2007 era inadequada para a Irlanda e Espanha e de fato causou bolhas nos preços dos ativos. Um banco central que tenha por missão cumprir uma meta de inflação em uma união de economias muito diversas desestabilizará quase todos os seus membros, em algum momento. Mas é isso que aderir a uma união monetária envolve, para os países membros - mesmo os maiores.

    Entre 2001 e 2007, a taxa central de inflação da zona do euro foi de 1,8%, com 1,1% na Alemanha, e Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha perto dos 3%. Caso o objetivo seja manter a inflação geral perto dos 2%, e as taxas de inflação desses quatro países, e mais a Itália, precisem ficar bem abaixo dessa média, se torna necessário que a inflação da Alemanha e a dos demais países superavitários fique bem acima dos 2%. De outra forma, a inflação geral será baixa demais.

    Além disso, as taxas reais de juros de curto prazo provavelmente serão negativas nos países de inflação mais alta, como eram, antes de 2008, para os países que hoje enfrentam tamanhas dificuldades. Os esforços para resistir a esse tipo de ajuste garantem uma crise persistente, e com ela as baixas taxas de juros que os críticos detestam.

    Muita gente na Alemanha pode concluir que seria melhor para o país não estar na zona do euro. Entendo. Mas elas deveriam tomar cuidado com aquilo que desejam. Na ausência de uma união monetária, o marco alemão dispararia, em seu hipotético retorno. O impacto de uma grande valorização da nova moeda seria semelhante ao que aconteceu no Japão: grandes porções da produção industrial alemã seriam transferidas a países vizinhos; a economia certamente seria derrubada a uma recessão; e os preços internos provavelmente cairiam.

    Sem as medidas heroicas e heterodoxas às quais o Bundesbank se opõe ferozmente, a espiral deflacionária poderia ser severa. Alguns alemães se beneficiariam disso. Mas os deslocamentos causados seriam imensos. Comparados a eles, os custos associados a um ajuste bem sucedido na zona do euro, o que inclui um período de inflação da ordem de, digamos, 3% ao ano na Alemanha, dificilmente podem ser considerados excessivos.

    Sim, o BCE é incapaz de produzir uma política monetária otimizada para a Alemanha; e não é isso que deveria fazer. Mas sua política monetária relaxada ainda pode ser muito melhor que as alternativas.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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