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    Martin Wolf

    Por que o futuro parece lento

    20/11/2013 12h00

    Lawrence Summers deu um banho de água geladíssima nos poucos otimistas que talvez ainda restassem. Falando em uma mesa redonda durante a conferência anual de pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI), o antigo secretário do Tesouro norte-americano sugeriu que talvez não venha a existir retorno fácil à normalidade pré-crise, nas economias de alta renda. Em lugar disso, ele delineou um futuro perturbador, com demanda cronicamente fraca e baixo crescimento econômico. Summers não é o primeiro a identificar a possibilidade da chamada "estagnação secular": o medo de que o mundo imite a década perdida do Japão ocupa os pensamentos de analistas ponderados desde a crise. Mas o desempenho de Summers foi espetacular.

    Por que deveríamos acreditar no que ele diz? É possível apontar para três traços relevantes nas economias ocidentais.

    Primeiro, a recuperação da crise financeira de 2007-2008 vem sendo decididamente fraca. No terceiro trimestre, a economia dos Estados Unidos estava apenas 5,5% acima de seu pico anterior à crise, atingido mais de cinco anos atrás. O Produto Interno Bruto (PIB) real dos Estados Unidos continua a cair, com relação à tendência pré-crise. Além disso, essas fraquezas perduraram, a despeito de políticas monetárias ultraexpansivas.

    Segundo, as economias hoje atingidas pela crise experimentaram rápida alta em seus níveis de endividamento, especialmente nos setores financeiro e domiciliar, somada a fortes saltos nos preços dos imóveis residenciais, antes da crise. Estamos falando de uma "economia em bolha". Muitos governos, especialmente nos Estados Unidos e Reino Unido, também adotaram políticas fiscais expansivas. Mesmo assim, nenhum dos sintomas evidentes de excessos - especialmente crescimento econômico acima da tendência ou inflação - surgiu, quer no Reino Unido, quer nos Estados Unidos, antes que a crise irrompesse.

    Terceiro, as taxas de juros reais de longo prazo se mantiveram notavelmente baixas nos anos anteriores à crise, a despeito do forte crescimento econômico mundial. O rendimento sobre os títulos públicos britânicos de longo prazo e com correção monetária caiu de cerca de 4% em para cerca de 2%, com a crise financeira asiática do final do século 20, e mais tarde para níveis negativos, depois da crise de 2008. Os títulos com correção monetária do Tesouro dos Estados Unidos (conhecidos como TIPS) seguiram curso semelhante, ainda que mais tarde.

    A simples restauração de alguma medida de saúde no setor financeiro, ou a redução da sobrecarga de dívidas acumulada antes da crise, não deve, portanto, bastar para produzir uma recuperação plena. O motivo é que a crise se seguiu a excessos financeiros que mascaravam, ou, como já argumentei, surgiram em resposta a, fraquezas estruturais preexistentes.

    Uma dessas fraquezas é o "excedente mundial de poupança", que também pode ser rotulado como "escassez de investimento.". As baixas taxas reais de juros são prova desse excedente: existe mais poupança em busca de investimento produtivo do que investimento produtivo capaz de empregá-la.

    Outra indicação desse excesso de poupança são os "desequilíbrios mundiais" - os imensos superávits em conta corrente (saldo exportador líquido) das economias emergentes do leste da Ásia (especialmente a China), dos exportadores de petróleo e de diversas das economias de alta renda (notavelmente a Alemanha). Essas economias se tornaram fornecedoras líquidas de poupança ao resto do planeta, o que era fato antes da crise e continua fato hoje.

    Antes da crise financeira, os Estados Unidos absorviam boa parte do excedente mundial de poupança, mas não em forma de investimento produtivo. A despeito do acesso fácil a crédito barato, depois de 2000 o investimento fixo caiu, como proporção do PIB, na economia norte-americana. Outro motivo para essa queda foi que os preços relativos dos bens de investimento caíram: a parcela do investimento real se manteve estável, enquanto a do investimento nominal encolhia. Exceto na bolha do mercado de ações anterior a 2000, as empresas também optaram por financiar seus investimentos com recursos próprios; não necessitavam de financiamento de outras fontes.

    Assim, a contraparte da poupança importada aos Estados Unidos foi captação governamental e endividamento domiciliar. A alta na disparidade de renda tornou ainda mais difícil depender da captação domiciliar líquida. Se nada mais variar, isso tende a elevar a poupança domiciliar; os ricos, que tendem a ganhar mais do que gastam, tenderão a poupar ainda mais à medida que sua riqueza aumentar. Uma solução (temporária) para esse problema foi a de convencer os pobres a acumular dívidas superiores às que poderiam bancar, para que pudessem continuar consumindo. O que resultou em estouro e na crise de 2007-2008.

    Em resumo, a economia mundial vem gerando mais poupança do que as empresas desejam usar, mesmo que a juros muito baixos. Isso é verdade não só nos Estados Unidos mas nas mais importantes economias de alta renda.

    O excesso de poupança, portanto, se tornou um fator de compressão da demanda. Mas porque está conectado ao baixo investimento, também implica em crescimento lento da oferta prospectiva. Essa dificuldade antecede a crise, mas foi agravada por ela.

    O que se pode fazer, então? Uma resposta ao excesso de poupança com relação ao investimento seria taxas de juros reais ainda mais negativas. É por isso que alguns economistas vêm defendendo inflação mais alta. Mas isso seria difícil de implementar, mesmo supondo que fosse politicamente aceitável. Outra possibilidade, enfatizada por Andrew Smithers em "The Road to Recovery", é enfrentar abertamente os obstáculos ao investimento empresarial. O maior vilão, na visão dele, é a "cultura das bonificações", que encoraja os executivos a manipular os preços de ações, por meio de recompras, em lugar de encorajá-los a elevar o investimento produtivo.

    Outra possibilidade, discutida por Summers e apoiada por muitos economistas (entre os quais me incluo) é usar o excedente atual de poupança para financiar uma alta no investimento público. Essa mudança poderia ser vinculada à transição para um modelo de crescimento com emissões de carbono menores. Outra possibilidade seria facilitar os fluxos de capital aos países emergentes e em desenvolvimento, onde devem estar as melhores oportunidades de investimento. Não faz sentido que proporção tão alta da poupança mundial busque oportunidades onde elas aparentemente não estão e ignore lugares onde a esperança é de que existam.

    O argumento subjacente, de que as economias de alta renda sofreram mais que uma crise financeira, é persuasivo. Também é difícil acreditar que uma alta no investimento de negócios nesses países seria capaz de absorver o excedente mundial de poupança, como desejado. Por que, afinal, se deveria esperar que algo assim acontecesse em países com populações envelhecidas, altos salários e economias modorrentas? Mas nesse caso os países em questão enfrentam desafio muito maior do que os danos causados pela crise, por maiores que estes tenham sido. Enfrentam um futuro em prazo mais longo no qual haverá baixa procura e oferta enfraquecida.

    A melhor resposta, portanto, seriam medidas dirigidas a elevar o investimento produtivo, privado e público. Sim, erros serão cometidos. Mas é melhor correr o risco de errar do que aceitar os custos de um futuro empobrecido.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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