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    Martin Wolf

    Como insuflar vida em um mundo estagnado

    30/04/2014 11h50

    Por que as taxas reais de juros estão tão baixas? E será que continuarão assim baixas por muito tempo? Se o fizerem —como parece possível—, as implicações serão profundas: boas para os devedores, más para os credores e, acima de tudo, preocupantes para o vigor da demanda mundial.

    A mais recente "Perspectiva Econômica Mundial" do FMI (Fundo Monetário Internacional) inclui um capítulo fascinante sobre as taxas de juros reais em todo o mundo. Eis suas conclusões mais significativas:

    Primeiro, a globalização integrou as finanças. Costumava haver amplas variações entre as taxas reais de juros de diferentes países. Isso deixou de ser verdade, porque as taxas de juros em toda parte agora respondem a influências comuns.

    Segundo, as taxas reais de juros - ajustadas pela inflação - caíram muito dos anos 80 para cá. As taxas sobre os títulos de dez anos estão perto de zero, e as taxas de curto prazo são negativas. Mas o retorno real esperado sobre o capital (estimado com base em dividendos mais o crescimento esperado dos dividendos) não caiu em igual proporção.

    Como compreender esses desdobramentos? O retorno real sobre os ativos financeiros depende de diversos fatores: o quanto as pessoas desejam poupar e investir; que tipo de ativos os poupadores preferem manter; e de mudanças na política monetária. Não são fatores independentes uns dos outros. Acima de tudo, bancos centrais cuja missão é atingir determinada meta inflacionária precisam responder a mudanças na demanda por meio de mudanças em suas políticas monetárias.

    O FMI calcula que, nos anos 80 e começo dos 90, as mudanças de política monetária eram a mais poderosa influência sobre as taxas de juros. No final dos anos 90, o aperto fiscal se tornou a principal força para a queda dos juros. Outro fator importante era a queda de preço dos bens de investimento em comparação aos bens de consumo. A queda dos preços relativos da tecnologia da informação significa que isso continua verdade.

    Desde o final dos anos 90, porém, muita coisa mudou. Nas economias emergentes, a taxa de poupança subiu, em larga medida porque as rendas estão subindo. Os investidores começaram a favorecer ativos considerados seguros. O mais importante é que as crises financeiras recentes causaram colapso do investimento e uma disparada na poupança privada, nas economias afetadas.

    O FMI argumenta que o declínio do risco inflacionário não contribuiu para uma queda nas taxas de juros de longo prazo, já que o "spread de prazo" - a diferença entre as taxas de juros de curto e de longo prazo - não se reduziu. Mais importantes foram os efeitos das mudanças na poupança e investimento das diferentes nações. Em nível mundial, poupança e investimento precisam ser iguais. Assim, as mudanças observadas no nível mundial de poupança nada nos informam sobre a existência ou não de um "excedente de poupança" - termo que uso para descrever um excesso de poupança desejada com relação ao investimento desejado. Apenas uma virada de preços - a verdadeira taxa de juros - revelaria isso.

    Notavelmente, a taxa de juros sobre os títulos de dez anos era de 4% na metade dos anos 90, 2% nos anos 2000 antes da crise, e perto de zero depois dela. Pelo menos dois fatores embasam essa profunda queda. O investimento caiu muito nas economias de alta renda mas disparou nas emergentes, especialmente a China; mas os índices de poupança nas economias emergentes cresceram ainda mais do que os de investimento. Consequentemente, essas economias se tornaram grandes exportadoras de capital, em termos líquidos.

    Os países emergentes também em larga medida nacionalizaram suas saídas de capital. Os governos deles tendem, com isso, a adquirir ativos "seguros", especialmente para formar parte de suas reservas cambiais. Isso ajuda a explicar o movimento das carteiras de investimento na direção de títulos com classificação superior.

    A história, em resumo, é que mudanças no equilíbrio entre a poupança e investimento reais desejados geraram grande queda nas taxas reais de juros. Elas vieram acompanhadas por mudanças nas preferências de carteira, na direção de ativos mais seguros, e pelo colapso da bolha das ações anterior a 2000. A mudança na distribuição de renda em benefício do capital e dos empregados de salários mais altos, nos países de alta renda, também enfraqueceu a demanda. Os bancos centrais reagiram a isso com políticas monetárias agressivas. Elas sustentaram explosões de crédito no geral vinculadas a disparadas nos preços dos imóveis residenciais. As duas coisas implodiram na crise. Como argumenta Lawrence Summers, as economias de alta renda parecem preocupantemente incapazes de gerar um bom crescimento na demanda sem provocar extrema instabilidade de crédito.

    Essa não é uma história de curto prazo. O rótulo "estagnação secular" parece apropriado. O FMI concorda em que as taxas reais de juros provavelmente ficarão baixas por muito tempo. Se os governos persistirem em seus planos de aperto de suas políticas fiscais, isso parece certo. Caso as taxas de investimento caiam pesadamente na China, as taxas mundiais reais podem ter de cair ainda mais. Isso é difícil em um período de inflação tão baixa.

    O que poderia reverter essas tendências? A possibilidade óbvia é um salto no investimento nos países de alta renda, propelida pelos retornos relativamente altos antecipados para as ações. Os obstáculos, nesse caso, são três. O primeiro é que os presidentes-executivos de companhias não são recompensados por investir em longo prazo. O segundo é que os bens de investimento estão se tornando mais baratos o tempo todo; e o terceiro é que, quando o futuro é incerto e a economia parece lenta, as companhias, racionalmente, preferem esperar antes de investir.

    Outra possibilidade seria uma grande queda na poupança das economias emergentes. Mas isso parece improvável, ao menos não sem um colapso nos preços do petróleo. O que deixa a opção de deficit fiscais sustentados em países de alta renda, idealmente para investimento em infraestrutura. Booms de crédito relacionados à habitação são uma opção muito pior. E uma redistribuição de renda em benefício daqueles que consomem parece impensável.

    Se as taxas reais de juros de fato se mantiverem baixas por muito tempo, os credores enfrentarão dificuldades. Mas administrar as finanças públicas pós-crise deve ser muito mais fácil do que os histéricos presumem. Uma questão verdadeiramente séria em um mundo como esse seria determinar se as metas convencionais de inflação não estão baixas demais, porque elas não oferecem espaço suficiente para que as taxas de juros reais caiam o tanto que precisem, abaixo de zero.

    A questão imediata, no entanto, é: como gerarmos a procura necessária a absorver a oferta potencial do planeta? Não responder a essa necessidade de modo sensato foi uma das principais causas da crise. Se essa falha persistir, a recuperação será prejudicada ou, pior, teremos novo surto de dificuldades financeiras e econômicas. Não imagine que esses desafios logo desaparecerão. Parecem ter se tornado uma condição semipermanente.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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