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    Martin Wolf

    Dinheiro barato para eliminar os rentistas

    07/05/2014 12h50

    Nas economias de alta renda, o dinheiro está ultrabarato há cinco anos. O Japão já convive com isso há quase duas décadas. Essa foi a principal resposta das autoridades econômicas às crises que tiveram de enfrentar. Inevitavelmente, uma política de dinheiro barato causa controvérsias.

    Mesmo assim, como mostra a experiência japonesa, a situação pode durar muito tempo.

    A taxa de juros mais alta cobrada por qualquer dos quatro mais importantes bancos centrais das economias avançadas fica em 0,5%, no Banco da Inglaterra. A taxa jamais havia ficado abaixo dos 2%, antes deste período. Nos Estados Unidos, zona do euro e Reino Unido, o balanço do banco central agora atinge valor próximo de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB).

    No Japão, ele já está perto da metade, e continua a subir. É verdade que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) está reduzindo gradualmente seu programa de compra de ativos, e existem rumores de que o Banco da Inglaterra em breve promoverá um aperto em sua política monetária.

    Mas na zona do euro e no Japão, a questão é se não será necessário um relaxamento monetário ainda maior.

    Essas políticas sem precedentes são necessárias devido à deficiência crônica na demanda agregada mundial. Antes que a onda de crises posteriores a 2007 varresse a economia mundial, essa deficiência era compensada por booms de crédito insustentáveis em diversas economias.

    Depois das crises, ela resultou em grandes deficit fiscais e em uma tentativa desesperada dos bancos centrais de estabilizar os balanços privados, consertar os defeitos nos mercados de crédito, elevar os preços dos ativos e por fim reacender o crescimento do crédito.

    CUSTOS DE CAPTAÇÃO

    Essas políticas conseguiram reduzir o custo de captação. Isso tornou mais fácil arcar tanto com os grandes montantes de dívida privada herdados de antes da crise quanto com a dívida pública acumulada em consequência dela.

    Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicado em outubro de 2013 concluía que os programas de aquisição de títulos conduzidos de novembro de 2008 em diante haviam reduzido o rendimento dos títulos de 10 anos do Tesouro norte-americano em entre 90 e 200 pontos básicos. No Reino Unido, as compras de títulos iniciadas em 2008 os reduziram em entre 45 e 160 pontos básicos.

    No Japão, intervenções semelhantes, iniciadas em outubro de 2010, reduziram os juros em cerca de 30 pontos básicos, ainda que os rendimentos japoneses tenham começado de patamar mais baixo.

    Os juros mais baixos também tiveram efeito significativo sobre a distribuição de renda. Um estudo do McKinsey Global Institute publicado no final do ano passado mostra grandes transferências de renda dos credores líquidos para os devedores líquidos.

    No geral, governos e empresas não financeiras saíram ganhando. Seguradoras, provedores de pensões e domicílios estão entre os perdedores.

    POSIÇÃO INTERMEDIÁRIA

    Os bancos ficam em posição intermediária. Os bancos dos Estados Unidos ganharam porque suas margens de juros subiram. Os bancos da zona do euro perderam porque suas margens de juros foram comprimidas. Os bancos do Reino Unido também sofreram pequenas perdas.

    Alguns dos detalhes são significativos. Os governos saem ganhando não só porque as taxas de juros que pagam são menores do que antes da crise mas porque o relaxamento quantitativo monetizou porção substancial das dívidas públicas de longo prazo.

    Assim, no caso dos Estados Unidos, o Fed transferiu US$ 145 bilhões em ganhos com o relaxamento quantitativo ao governo, entre 2007 e 2012. Isso deve ser somado aos US$ 900 bilhões que o governo economizou no mesmo período ao pagar juros mais baixos.

    No Reino Unido, o relaxamento quantitativo produziu ganhos de US$ 50 bilhões para o erário, além de US$ 120 bilhões em pagamentos de juros economizados.

    Uma vez mais, no caso dos Estados Unidos, as taxas de juros acentuadamente mais baixas responderam por 20% do crescimento dos lucros das empresas não financeiras, entre 2007 e 2012.

    Mas houve efeitos adversos para os fundos de pensão, que precisam honrar promessas de pagamentos de renda fixa aos seus beneficiários, e para as seguradoras, especialmente as que ofereciam retornos nominais garantidos.

    No caso dos fundos de pensão, os rendimentos de longo prazo em queda são particularmente problemáticos, porque ao mesmo tempo reduzem retornos e aumentam o valor presente de passivos futuros. Muitas companhias de seguro de vida podem ser forçadas a abandonar o ramo, se esses juros persistirem. Essa é uma crise com um fuso longo.

    DOMICÍLIOS

    Para os domicílios, as consequências distributivas dos juros ultrabaixos são mais importantes que seus efeitos agregados.

    Nos Estados Unidos, os domicílios chefiados por pessoas com idade de entre 35 e 44 anos se beneficiam da queda nos juros enquanto os domicílios com padrão de idade mais alto saem perdendo. Em média, o grupo mais jovem ganhou US$ 1,7 mil líquidos anuais em juros, enquanto as pessoas com mais de 75 anos perdiam US$ 2,7 mil.

    Acima de tudo, os 10% de norte-americanos mais ricos controlam cerca de 90% dos ativos financeiros. Assim, os principais perdedores são pessoas relativamente prósperas que dependem da renda gerada pelos juros.

    Ao mesmo tempo, essas pessoas se beneficiaram das grandes altas nos preços dos títulos e dos fortes mercados de ações, embora a McKinsey argumente que os juros baixos não são o fator mais importante para os ganhos das ações.

    'EUTANÁSIA DOS RENTISTAS'

    Essa política, por mais impopular que seja junto a algumas pessoas, é melhor que as alternativas disponíveis. Keynes tinha até uma descrição para ela: "a eutanásia dos rentistas". Em um mundo de poupança abundante, os retornos disponíveis devem ser baixos; isso é uma consequência de forças de mercado a que os bancos centrais estão respondendo.

    No presente, a alta propensão do planeta a poupar não vem acompanhada por um desejo de investir. É por isso que os deficit fiscais continuam altos e as taxas de juros são ultrabaixas.

    À margem atual, é inútil poupar mais. Os retornos vêm sofrendo queda ainda maior devido ao fato de que os bancos centrais buscam prevenir que os balanços inchados criados antes da crise entrem em colapso na forma de um episódio de insolvência em massa.

    Mas existe um enigma: por que o investimento privado não está mais forte, já que o setor empresarial não financeiro é aparentemente tão lucrativo?

    Incentivos perversos aos gestores são uma explicação. A fraqueza do setor financeiro é outra. E há o círculos vicioso da demanda fraca ao investimento lento, e de volta à demanda fraca. E para muita gente, parece sensato postergar investimentos até que o mundo se torne mais previsível.

    Os juros baixos são certamente impopulares, especialmente junto aos rentistas cautelosos. Mas rentistas cautelosos já não servem a um papel econômico útil. O que precisamos agora são de investidores que genuinamente aceitem riscos.

    Na ausência deles, os governos terão de usar seus balanços para construir ativo produtivos. Existe pouco sinal de que o farão. Sendo assim, os bancos centrais serão propelidos a manter o dinheiro barato. Acostume-se: isso vai durar.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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