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    Martin Wolf

    Uma solução para o clima arruinaria os investidores

    DO "FINANCIAL TIMES"

    18/06/2014 17h42

    Que proporção das reservas mundiais de combustíveis fósseis terminará por ser queimada? Essa não é uma questão que deveria preocupar apenas aos interessados na política do clima.

    Também é uma questão para os investidores, mesmo que eles acreditem (absurdamente, em minha opinião) que as indicações científicas de uma mudança no clima são uma trapaça.

    Eles devem se perguntar o que significaria, para seus investimentos em exploração e produção de combustível fóssil, se as autoridades econômicas agirem de acordo com as conclusões científicas em que professam acreditar sobre a mudança do clima.

    Onde uma mudança como essa deixaria seus investimentos em empresas que detêm reservas, hoje, e estão investindo em exploração e produção adicional para o amanhã? Será que esses gastos todos podem se provar um desperdício monstruoso de recursos que teriam melhor emprego em outras áreas?

    "Unburnable Carbon 2013", um relatório produzido pela Carbon Tracker, uma ONG sediada em Londres, e pelo Instituto Grantham de Pesquisa do Ambiente e Mudança do Clima, parte da London School of Economics, trata exatamente dessa questão.

    A conclusão é bastante simples: queimar as reservas conhecidas de combustíveis fósseis é incompatível com as metas que os governos estabeleceram quanto à mudança do clima.

    Isso posto, os investidores prudentes deveriam aplicar um desconto ao valor dessas reservas e às projeções de retorno sobre novos investimentos nesse setor. É possível que boa parte desses gastos adicionais se provem infrutíferos. Na pior das hipóteses, esses ativos poderiam ficar "encalhados" para sempre.

    Em 2010, surgiu um acordo entre governos dispondo que as emissões de carbono deveriam ser mantidas em um nível cujo objetivo era o de prevenir um aumento superior a dois graus nas temperaturas mundiais ante a média anterior à revolução industrial.

    Usando modelos padrão, o relatório concluiu que as emissões totais de carbono entre 2013 e 2050 teriam de ficar em 900 gigatons (bilhões de toneladas), para gerar probabilidade de 80% de atingir essa meta, e em 1,075 mil gigatons para gerar probabilidade de 50% de atingir a meta.

    Depois, entre 2050 e 2100, as emissões teriam de ficar em 75 gigatons para oferecer probabilidade de 80% de manter a alta na temperatura abaixo dos dois graus, ou em 475 gigatons para oferecer probabilidade de 50% de fazê-lo.

    A captura e armazenagem de carbono ajudariam, mas não muito. Remover um fluxo anual de oito gigatons de carbono em 2050 requereria cerca de 3,8 mil instalações de armazenagem. E ainda assim teria de haver uma queda acentuada nas emissões.

    De acordo com a Perspectiva Energética Mundial de 2012, as reservas existentes de combustíveis fósseis, se queimadas sem captura de emissões de carbono, representariam emissões de 2,86 gigatons - cerca de três vezes o orçamento mundial de carbono.

    A queima desse estoque, se não houvessem acréscimos a ele, elevaria a temperatura média mundial em bem mais de três graus.

    O que isso significaria para as companhias cotadas nas bolsas de valores de todo o planeta? Elas detêm reservas equivalentes a 762 gigatons de emissões - cerca de um quarto do total, com o restante controlado por entidades não negociadas em bolsa, principalmente estatais petroleiras.

    As companhias de capital aberto também estão tentando desenvolver as reservas potenciais, para elevar seu total a mais de 1,5 mil gigatons. Sozinho, esse volume excederia os limites de emissões necessários até
    2050 para garantir probabilidade de 50% de que a temperatura média não suba em mais de três graus; ou seja, haveria chance de 50% de uma alta maior.

    E as companhias de capital aberto não estariam sozinhas no mercado: as estatais também estariam produzindo.

    Se as companhias de capital aberto recebessem, em lugar disso, uma alocação de um quarto do orçamento mundial de carbono, em linha com sua proporção das reservas mundiais, elas não poderiam explorar mais que um terço das suas reservas existentes de 762 gigatons, quanto menos acrescentar descobertas adicionais, se o objetivo é manter o aumento da temperatura abaixo dos dois graus.

    E mesmo elevar o limite a três graus não ajudaria muito. As companhias de capital aberto continuariam a não poder explorar nem metade de suas reservas sob esse limite mais generoso.

    Portanto, alguém terá de ceder: ou o mundo abandona seu compromisso de manter as emissões abaixo do nível que supostamente produziria um aumento de temperatura de no máximo dois graus ou as companhias de combustível fóssil deterão ativos encalhados e terão investido em ativos inexploráveis.

    Os investidores estão apostando implicitamente na primeira alternativa.

    As companhias petroleiras estão bem cientes da questão. Em sua resposta a críticos, a ExxonMobil diz que não prevê um cenário de baixas emissões de carbono parecido com aquele que muitos pesquisadores do clima advogam.

    A empresa acredita que os custos que isso acarretaria, e o "impacto negativo sobre a energia acessível, confiável e de preço viável que essas mudanças de política envolveriam... fica além daquilo que as
    sociedades, especialmente as economias mais pobres e vulneráveis do planeta, estariam dispostas a tolerar".

    Em lugar disso, a companhia prevê apenas que o fluxo de emissões deixará de crescer em algum momento por volta de 2030. Mas não oferece projeções sobre a concentração de gases causadores do efeito estufa na atmosfera. E tampouco trata do efeito dessas concentrações sobre a temperatura.

    A explicação que a ExxonMobil oferece para seu otimismo quanto à demanda por combustíveis fósseis é a crescente demanda mundial por energia e a inércia no sistema mundial de energia. Ainda que a produção de energia renovável deva crescer mais rápido do que a energia de outras fontes, seu potencial é limitado pelos desafios da "economia de escala, dispersão geográfica, intermitência (no caso da energia solar e eólica) e do custo, com relação a outras fontes".

    A companhia antecipa que a energia renovável responda por apenas 5% do mix de energia em 2040.O mundo se colocou em posição altamente contraditória. Os governos assumiram um compromisso para com uma dada visão sobre os riscos da mudança do clima.

    Essa visão implica uma rápida revolução no mix de energia e reduções correspondentemente rápidas nas emissões dos gases causadores do efeito estufa. Mas os grandes produtores de energia não
    acreditam que os governos farão o que prometem.

    Planejam um futuro energético muito diferente e talvez nada revolucionário, no qual as reservas que detêm agora e aquelas que planejam desenvolver serão todas queimadas.

    Os investidores terão de adivinhar não só qual das duas visões tem mais chance de se confirmar, mas que probabilidades atribuir aos possíveis desfechos. Acredito que a humanidade esteja fazendo apostas arriscadas no cassino do clima. Acredito que seja provável que ela continue a fazer essas apostas arriscadas.

    Nesse caso, a ExxonMobil verá confirmadas suas projeções. Mas é sempre possível que a humanidade acorde e faça os investimentos necessários a uma rápida mudança, propelida pela magia do
    mercado e da inovação tecnológica.

    Se isso viesse a acontecer, as reservas de combustível fóssil ficariam de fato encalhadas. E cuidado, investidores: a probabilidade de que isso aconteça é decerto superior a zero.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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