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    Martin Wolf

    Crescimento limpo é aposta segura no cassino do clima

    24/09/2014 15h00

    Há um impasse no debate sobre as ações contra a mudança do clima. A despeito de copiosas palavras e muitas conferências internacionais, entre as quais um encontro de cúpula da ONU esta semana em Nova York, as emissões dos gases causadores do efeito estufa continuam sua alta.

    Isso poderia mudar? Pode-se ao menos identificar as condições necessárias para tanto. Uma delas é liderança. Mas a mais importante é obter provas de que combater a mudança no clima é compatível com a prosperidade.

    A possibilidade de combinar a eliminação da mudança climática descontrolada e a elevação dos padrões de vida poderia ajudar a transformar o debate.

    Excetuados os céticos mais renitentes, todos precisam reconhecer que a probabilidade de mudanças irreversíveis no clima é muito superior a zero. Mas o custo de fazer um seguro contra esse rico também importa.

    Felizmente, esse custo talvez seja bastante baixo e, quanto a alguns aspectos, até negativo: eliminar a dependência da eletricidade gerada pela queima de carvão, por exemplo, produziria benefícios de saúde. E a construção de cidades mais compactas faria o mesmo.

    Esses exemplos foram extraídos de um novo e importante relatório publicado pela Comissão Mundial sobre a Economia e o Clima, um painel de alto nível. O estudo enfatiza cinco pontos fundamentais.

    PONTOS

    Primeiro, a natureza da infraestrutura que construirmos dentro dos próximos 15 anos ou pouco mais determinará a chance de manter o aquecimento global abaixo dos dois graus; muitos cientistas acreditam que aquecimento superior a esse pode se provar catastrófico.

    Segundo, para promover essa mudança, o mundo precisa começar a mudar de comportamento agora.

    Terceiro, ao longo desse período serão realizados grandes investimentos em infraestrutura que determinarão padrões de desenvolvimento urbano, uso de terra e sistemas de energia.

    Quarto, ao tomar as decisões de investimento corretas, o planeta conseguiria pelo menos metade da redução de emissões necessária até 2030.

    Por fim, dar ao padrão de investimento e inovação a direção desejada elevaria pouco os custos econômicos e traria muitos benefícios.

    A mensagem é encorajadora. Parte dela faz muito sentido, claramente. O relatório estima que os subsídios a combustíveis fósseis atingem os US$ 600 bilhões anuais, ante subsídios de apenas US$ 90 bilhões para a energia limpa.

    Isso não faz sentido algum. Considere, uma vez mais, os danos causados pelas emissões. Na China, a dependência do carvão fez do país o maior emissor mundial dos gases causadores do efeito estufa. Além do impacto sobre o clima, o resultado foi terrível poluição local. Isso poderia conduzir a um resultado vantajoso para todos: reduzir a dependência do carvão minoraria a poluição local e mundial.

    FMI

    Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) argumenta que impor um preço às emissões de carbono beneficiaria muitos países mesmo que os benefícios mundiais dessa prática sejam desconsiderados.

    Em média, sugere o estudo, o preço justificado pelas considerações domésticas seria de US$ 57 por tonelada de emissões, nos 20 maiores países emissores, o que representa preço muito mais alto do que as cotações recentes no sistema de comércio de licenças de emissão da União Europeia. Faria sentido impor um tributo como esse e usar os proventos para reduzir impostos mais prejudiciais.

    De forma semelhante, os subsídios ao consumo em muitos países exportadores de petróleo são altamente perdulários e deveriam ser eliminados de imediato.

    Além disso, as áreas urbanas respondem por cerca de 70% do uso de energia. Nas economias emergentes, elas vêm crescendo aceleradamente.

    O relatório da comissão contrasta Atlanta e Barcelona, duas cidades prósperas com populações semelhantes. A primeira gera 10 vezes mais emissões de dióxido de carbono em seu sistema de transporte. As cidades do futuro deveriam escolher ser mais parecidas com Barcelona.

    O uso da terra pode ser imensamente melhorado, e ao mesmo tempo elevar a renda dos agricultores. O desflorestamento não administrado, por exemplo, não traz ganhos, e sim imensos desperdícios econômicos e ambientais.

    Por fim, na energia, vimos declínios maciços no custo da energia renovável, especialmente na geração de energia solar, acompanhados por capacidade ampliada de administrar o suprimento de energia intermitente. As fontes renováveis e outras fontes de energia de baixa emissão de carbono (incluindo a energia nuclear), argumenta o relatório, responderão por mais de metade da nova capacidade de geração de eletricidade adicionada nos próximos 15 anos.

    TRANSFORMAÇÕES

    Transformações como essas devem ser realizadas por meio de uma combinação de tributos sobre as emissões, investimento, promoção da inovação, e planejamento (sim, planejamento - desenvolvimento urbano requer planejamento). Tudo isso requer uma combinação de ações públicas e privadas. Nada do que estou afirmando é novidade.

    O setor público sempre desempenhou um papel na provisão de infraestrutura e no apoio à inovação.

    Quanto isso custaria? O relatório sugere que os custos incrementais de investimento para um futuro com baixas emissões de carbono seriam muito pouco mais altos do que os custos previstos sob as tendências atuais.

    O estudo sugere, por exemplo, que os custos anuais de investimento em infraestrutura necessária para o transporte, energia, sistemas de água e cidades seria de cerca de US$ 6 bilhões ao ano. Os custos incrementais de uma infraestrutura para baixas emissões de carbono seriam de US$ 270 bilhões anuais.

    Modelos econômicos plausíveis sugerem que a perda agregada de produção mundial até 2030, caso adotada a opção das baixas emissões de carbono, seria equivalente a um ano de hiato no crescimento econômico. Os custos da crise financeira quase certamente se provarão muito maiores.

    O relatório também oferece diversas propostas sensatas para garantir a transição que procura. Entre elas estão adoção do preço correto para as emissões de carbono, eliminação de subsídios aos combustíveis fósseis e de incentivos à expansão das áreas urbanas, promoção de mercados de capital para investimentos em projetos de baixa emissão de carbono, encorajamento à inovação nas tecnologias para baixas emissões, o fim do desflorestamento e, não menos importante, uma aceleração no abandono da geração de energia por meio da queima de carvão.

    SEM MISÉRIA

    O ponto crucial do estudo, porém, é o de que um futuro com baixas emissões de carbono não precisa acarretar perpétua miséria. Com o apoio certo dos governos, o mercado pode produzir tanto maior prosperidade quanto risco muito menor de um clima desestabilizado.

    É desnecessário persistir nas imensas apostas de risco que vêm sendo realizadas até hoje no cassino do clima. É de fato possível combinar crescimento e um futuro de menor risco ambiental. Continuar fazendo as coisas como no passado é irracional. Mas as mudanças que precisamos realizar devem ser promovidas agora. Se deixarmos para depois, será tarde demais.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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