• Colunistas

    Tuesday, 25-Jun-2024 20:58:03 -03
    Martin Wolf

    A maldição da demanda mundial fraca

    19/11/2014 16h40

    David Cameron, o primeiro-ministro britânico, afirma que "as luzes vermelhas de alerta estão piscando mais uma vez no painel da economia mundial". Elas não são tão vermelhas quanto em 2008. Mesmo assim, as dificuldades causadas pela austeridade fiscal que o governo dele recomenda se tornaram particularmente evidentes no Japão e na zona do euro.

    Essas economias de alta renda estagnadas são os elos mais fracos da economia mundial. Para compreender o motivo, é preciso analisar a mais importante doença econômica atual: a síndrome de deficiência crônica de demanda.

    Jack Lew, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, ofereceu um panorama preocupante em um discurso feito em Seattle, a caminho da conferência de cúpula do Grupo dos 20 (G20), realizada na Austrália no último final de semana. Ele apontou que o mundo está longe de obter o crescimento "forte, sustentável e balanceado" prometido na conferência de cúpula das 20 maiores economias mundiais em Pittsburgh, em 2009.

    A recuperação mundial, ele disse, foi "desigual, com trajetórias fortemente divergentes. Nos Estados Unidos, a demanda interna superou o nível registrado antes da crise no primeiro trimestre de 2012, e hoje está mais de 6% acima de seu pico anterior à crise. A demanda interna no Japão e no Reino Unido subiu em 2%", ele acrescentou. "Mas na zona do euro ela ainda precisa recuperar o terreno perdido durante a crise, e permanece mais de 4% abaixo de seu nível anterior à crise".

    O que Lew não acrescentou é que esse desempenho débil - mesmo os 6% de alta real da demanda dos Estados Unidos, em prazo de seis anos, são patéticos sob os padrões históricos - aconteceu a despeito das políticas monetárias mais agressivas de todos os tempos.

    As taxas oficiais de intervenção do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco da Inglaterra não ficam muito acima de zero desde o final de 2008. O BCE lutou para elevar suas taxas de referência a mais de 1% em 2011, mas depois sucumbiu à atração do quase zero. O Banco do Japão vem oferecendo taxas quase zero há duas décadas.

    Mas nada disso foi nem perto de suficiente. Todos esses bancos centrais inflaram acentuadamente os seus balanços. Nos Estados Unidos e Reino Unido, a expansão nos balanços se estabilizou. Na zona do euro, a contração registrada desde 2012 está sendo revertida, e o balanço do Banco do Japão está a caminho da estratosfera econômica: já atingiu os 80% do PIB (Produto Interno Bruto), e não para de crescer.

    Como explicar demanda tão fraca, especialmente na zona do euro e no Japão? Apenas se conseguirmos compreender o processo teremos esperança de decidir sobre os remédios corretos. Pode-se identificar três conjuntos de explicações subjacentes.

    O primeiro conjunto enfatiza a sobrecarga de dívidas privadas, pós-crise, e os danos à confiança causados pela súbita desintegração do sistema financeiro. A resposta que se tornou canônica, a essa altura, consiste de limpar balanços e forçar a injeção de capital no sistema bancário, com a ajuda de testes de desgaste, para convencer o público de que o sistema financeiro voltou a merecer crédito. A isso deveria ser adicionado apoio fiscal e monetário à demanda. Sob essa interpretação, o retorno ao crescimento deveria ser rápido.

    O segundo conjunto de explicações nega essa última proposição. O argumento é que a demanda anterior à crise era insustentável porque dependia do acúmulo de grandes dívidas públicas e privadas - estas últimas associadas a bolhas nos preços dos imóveis. O Japão sofreu uma reversão pós-bolha do acúmulo de dívidas privadas, depois de 1990; Estados Unidos, Reino Unido e Espanha passaram pela mesma coisa depois de 2008.

    A implicação disso é que as economias sofrem não só de uma recessão nos balanços posterior à crise, mas de uma incapacidade de gerar demanda propelida por crédito em escala semelhante à que existia antes da crise. Por trás da insustentabilidade da demanda pré-crise havia desequilíbrios mundiais, mudanças na distribuição de renda e um período de investimento estruturalmente fraco. Um sintoma disso seria o crônico superavit financeiro (excesso de renda com relação a gastos) no setor privado, como vem acontecendo no Japão e na zona do euro.

    O terceiro conjunto de explicações aponta para uma desaceleração no potencial de crescimento, devido a alguma combinação de mudanças demográficas, desaceleração na alta da produtividade e investimento fraco. Mas esse último conjunto de explicações se relaciona estreitamente ao segundo. Se a expectativa de crescimento da oferta potencial é baixa, o consumo e investimento serão fracos. Isso gerará crescimento débil da demanda. Se os bancos centrais lutam contra essa tendência, causam bolhas. Se a aceitam, o crescimento fraco da oferta se torna uma profecia autorrealizada.

    As economias de alta renda sofrem dos três conjuntos de problemas, em maior ou menor extensão; os Estados Unidos menos, o Japão e a zona do euro mais. Mesmo a China, embora desfrute de uma taxa potencial de crescimento muito mais alta, também sofre com o segundo e o terceiro conjuntos de preocupações - mesmo que não tenha passado por uma crise financeira.

    O crescimento chinês dos últimos anos foi propelido por acúmulo insustentavelmente rápido de dívida e por investimento insustentavelmente alto, dada a desaceleração no crescimento subjacente.

    O motivo para que essa política extrema tenha sido tão pouco efetiva é que as economias sofrem de males profundos. Não é apenas a demanda fraca. Nem tampouco a carga da dívida ou os choques financeiros. Cada economia também tem uma combinação diferente de problemas.

    Como uma economia mais dinâmica em termos demográficas e mais inovadora, com nível baixo de poupança pessoal, as chances de escape na direção de políticas econômicas normais são melhores nos Estados Unidos do que na zona do euro ou Japão. Da mesma forma, como uma economia ainda com atraso a recuperar, a China deve conseguir conduzir um ajuste administrável.

    Mas a zona do euro e o Japão enfrentam desafios muito maiores na restauração do crescimento saudável. Isso acontece porque seus setores privados não têm capacidade de usar as poupanças que essas economias desejam gerar. Isso as deixa com escolhas heterodoxas de política econômica, provavelmente ainda menos convencionais do que aquelas que já foram tentadas.

    As consequências de ir além podem ser devastadoras politicamente, especialmente na zona do euro. Quais são essas possibilidades e por que seriam tão dolorosas é o meu tópico para a semana que vem.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024