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    Martin Wolf

    Um contratempo não deveria selar o destino da Grécia

    01/04/2015 18h12

    Desde a eleição do governo comandado pelo Syriza na Grécia, as negociações quanto ao lugar do país na Europa vêm transcorrendo de maneira terrível, com um lado fazendo pose e o outro demonstrando irritação. Uma saída acidental da zona do euro se tornou bastante provável. Isso não acontecerá porque a Grécia o deseje e nem porque seus parceiros estejam determinados a exclui-la, mas sim porque a Grécia está esgotando suas esperanças, os parceiros dela estão esgotando sua paciência, e as negociações estão esgotando seu prazo. Há de fato uma encruzilhada à frente. Mas a escolha da direção a seguir precisa ser deliberada e não acidental.

    Uma crise iminente de liquidez é o motivo para que temamos uma decisão precipitada. Os credores da Grécia desejam que o país implemente reformas antes que eles liberem cerca de 7,2 bilhões de euros em verbas ainda não desembolsadas do pacote de resgate. A Grécia precisa desse dinheiro para cobrir suas obrigações de gastos internos e um pagamento de 450 milhões de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Já que o Banco Central Europeu (BCE) está restringindo os empréstimos dos bancos gregos, o governo do país pode esgotar seu dinheiro. Isso poderia causar uma corrida dos depositantes gregos aos bancos. Embora o BCE tenha capacidade para administrar uma situação como essa, talvez se sinta incapaz de fazê-lo, ou decida que não quer agir.

    É muito provável que um país deixe o euro se seu governo não consegue cumprir seus compromissos financeiros, se os seus bancos fecham as portas, se a economia está deprimida e se há turbulência política. A Grécia pode em breve se ver nessa situação. Uma saída caótica poderia ocorrer, nesse caso. É necessário evitar esse "grecidente".

    Está evidente desde que o atual governo grego foi eleito que seria preciso tempo para determinar se um acordo frutífero pode ser atingido. É necessário "comprar" esse tempo. Ao tentar chegar a um acordo, também seria útil deixar de lado o moralismo destrutivo. O lado dos credores considera que sua generosidade para com os perdulários gregos é exemplar. Os gregos acreditam que instituições financeiras privadas são culpadas de irresponsabilidade em seus empréstimos, que o resgate não beneficiou a Grécia mas sim essas mesmas instituições irresponsáveis e, acima de tudo, que os gregos já sofreram o bastante. As duas posições têm mérito. Mas não será possível criar boa vontade mútua se acusações como essas continuarem a ser trocadas.

    Presuma que um acidente seja evitado. Nesse caso a zona do euro terá de encarar uma grande e uma pequena escolha. A grande escolha será entre manter a Grécia como parte do grupo e ajudá-la a sair. A escolha pequena será entre diferentes maneiras de mantê-la no grupo. Manter a Grécia preserva a opção de permitir sua saída mais tarde, mas optar por uma saída provavelmente será uma escolha irreversível.

    Quais são os argumentos em favor de uma saída? Um deles é que os custos de contágio são muito menores do que no passado, para os demais países membros, como parecem indicar os rendimentos divergentes sobre os títulos de seus respectivos tesouros. Outro ponto é que a Grécia se provou incapaz de promover reformas. Ainda outro é que o país continua a não ser competitivo internacionalmente, como demonstra a lentidão de suas exportações. O equilíbrio externo foi obtido ao custo de um imenso desemprego - um enorme "desequilíbrio interno".

    Por outro lado, a saída transformaria a zona do euro de união monetária inequívoca em um regime de âncoras cambiais rígidas. Isso representaria o pior dos dois mundos: nem a credibilidade de uma união e nem a flexibilidade de taxas de câmbio flutuantes. Além disso, uma saída - especialmente se ela ocorrer sem ajuda - poderia trazer graves consequências econômicas e geopolíticas. A Grécia poderia despencar a um abismo econômico. Abandonada pela Europa, ela poderia se voltar a potências não amistosas. Isso representaria um desastre estratégico. Por fim, a Grécia já sofreu as dores da austeridade. Daqui por diante, as coisas devem melhorar, desde que as políticas do país melhorem.

    Tentar manter a Grécia na zona do euro parece ser a melhor escolha. Identifico duas opções.

    A primeira seria um novo programa de resgate, que prometesse o perdão parcial da dívida grega depois que as reformas forem concluídas. A segunda opção seria abandonar a política do "prorrogar e fingir" e em lugar dela reduzir as obrigações gregas quanto ao serviço da dívida a valores razoáveis. Mas depois disso não haveria mais assistência. A Grécia ficaria por sua conta. O governo grego manteria o euro, mas talvez se veja forçado a impor restrições ao uso da moeda. Em curto prazo, poderia suplementar o euro com vales de circulação interna utilizáveis para pagar obrigações junto ao Estado grego. Assim, o euro seria transformado em moeda paralela, quer temporariamente, quer em caráter semipermanente.

    A outra grande opção é que a zona do euro concorde em que a participação continuada da Grécia é inviável. A melhor justificativa para isso seria que a economia do país se provará incapaz de competir como parte da zona do euro. Mas a Grécia não deve simplesmente desabar para fora da união; precisa ser ajudada a sair.

    A ajuda teria, uma vez mais, de incluir redução permanente nos valores de serviço da dívida. Controles sobre os saques bancários seriam uma vez mais necessários. A Grécia talvez venha a necessitar de novos empréstimos para impedir que sua nova moeda flutue exageradamente. Os gregos se manteriam na União Europeia, claro. E até seria possível deixar aberta a possibilidade de que o país venha de novo a aderir ao euro, no futuro distante.

    Nenhuma dessas opções está livre de riscos. Todas criarão problemas significativos. Mas existem pelo menos dois pontos fundamentais a ter em mente. O primeiro é que a decisão deve ser deliberada, e não resultar do esgotamento de um prazo. O segundo é que a escolha a ser feita é estratégica, tanto para a zona do euro quanto para a Grécia.

    Ponderando a questão, creio que a escolha certa - e aquela que os gregos mesmos desejam - é encontrar uma maneira mutuamente satisfatória de manter a Grécia como parte da zona do euro, com a ajuda de perdão condicional de parte de suas dívidas e outras medidas de apoio de duração definida. Mas também se pode encontrar argumentos em favor de uma saída, desde que ela seja executada de uma maneira que restrinja o caos e propicie melhora permanente na competitividade grega. Mas isso também requeria perdão de parcela substancial das dívidas do país.

    Ainda não é hora de tomar a grande decisão sobre manter ou não a Grécia na zona do euro, e caso a resposta seja afirmativa, sobre como fazê-lo. Mas esse momento virá, e logo. Por isso, todos precisam estar devidamente preparados.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    martin wolf

    É comentarista chefe de Economia no jornal britânico 'Financial Times'. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006.
    Escreve às quartas.

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